A decisão do presidente do Peru Martín Vizcarra de dissolver o Congresso
em meio a uma grave crise política é produto do antagonismo entre o Executivo e Legislativo que vem desde a eleição de 2016 e foi ampliado pelos impactos da Operação Lava Jato no país. A avaliação é do professor da Universidade do Pacífico Alonso Gurmendi. Leia a entrevista
Qual a origem do atual impasse político no Peru?
A eleição do Pedro Pablo Kuczynski, em 2016. Ele se elegeu contra a Keiko Fujimori, que perdeu a oportunidade dourada de vencer a eleição contra a candidata de esquerda, Verónika Mendoza. Mas PPK foi para o segundo turno e a esquerda e o centro se aliaram contra o fujimorismo.
A frustração de não ganhar a eleição fez com que Keiko optasse pelo boicote em vez de uma agenda legislativa positiva. Essa atitude criou um Congresso muito conflitivo com o Executivo. PPK não conseguiu lidar com isso e foi removido do cargo.
A dissolução é Constitucional?
O Peru é um país semipresencialista. O presidente, por exemplo, não pode vetar uma lei. Mas como em países parlamentaristas, ele pode recorrer a moções de confiança. Se ele for derrotado em duas moções, ele pode dissolver duas vezes o Congresso.
O problema é que o Congresso apoiava as moções, mas na prática não as cumpria. Então esse mecanismo tornou-se uma arma vazia para o presidente. Alguns juristas dizem que o presidente pode fazer isso se o Congresso não cumpre a promessa de confiança.
Seria como num sistema parlamentarista?
Sim. Mas é importante lembrar que a Constituição de 1993 é a Carta do Fujimori, desenhada para ele se desfazer de qualquer Congresso que lhe seja hostil.
Ela é semipresidencialista, mas permite que o presidente tenha uma maneira institucional de fazer isso. Apesar de alguns juristas disserem que isso está na lei, o melhor é que o presidente não dissolva o Parlamento.
Desde que o Vizcarra assumiu, ele tem apostado em um discurso anticorrupção, por causa da Lava Jato. Isso é eficaz?
O presidente sabe que não tem maioria no Congresso. Então sua força, na sua cabeça, tem de vir do povo. E ele adotou uma agenda popular.
A gente sabe que a corrupção é o maior problema para os peruanos, então é conveniente para ele ir contra a corrupção. Mas a imigração venezuelana também é um problema, então adotou fechamento de fronteiras. Ele não é um liberal, está sobrevivendo.
Por que o Peru até hoje não alterou a Constituição fujimorista?
Essa é uma pergunta que a esquerda se faz até hoje. Muitas pessoas ainda reconhecem que o capítulo econômico da oposição é positivo. No Peru não existe essa divisão marcada entre direita conservadora e esquerda progressista.
Existe uma direita liberal, que é a direita do PPK. Então, mudar o Carta é controvertido por causa da hiperinflação dos anos 80. Isso terminou nos anos 90, que trazia crescimento econômico sem democracia.
E desde 2000, crescimento com democracia. A esquerda controla o discurso sobre direitos humanos e a centro-direita, o discurso econômico. Quem perdeu força foram os conservadores.
Todas as lideranças no Peru estão desacreditadas? O que emerge do Peru pós Lava Jato?
É um cenário onde todas as forças políticas estão desacreditadas, com a exceção da esquerda, que tem um ponto fraco: está isolada politicamente. Os presidentes peruanos estão ou na cadeia ou respondendo à Justiça. E o Alan Garcia cometeu suicídio.
O fujimorismo está enfraquecido e não entenderam que é melhor pensar no futuro do que no curto prazo. Queriam mais vingança que governança. Se tivessem apoiado parcialmente o PPK, estariam fortalecidos. Não pensaram nisso e apostaram no boicote. Agora ficaram sozinhos. São os mais enfraquecidos com a Lava Jato, junto com os partidos tradicionais.