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A culpa é sempre dos jornalistas

A eles é atribuída a culpa por apontar pecadores e denunciar ministros e juízes desonestos

Por Gilles Lapouge e
Atualização:

Mais um que caiu. Quem? Um ministro francês, e não dos menores: o ministro da Ecologia, François de Rugy. Ele era o número 2 do governo, vindo depois do presidente francês, Emmanuel Macron. 

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Não há nada demais em que um membro de um governo seja eliminado. Todos os governos fazem ajustes desse tipo, cada um a seu estilo. Donald Trump usa tuítes recheados de insultos. Na França, a saída de um ministro é mais lenta – e principalmente o temperamento de Macron não é o mesmo de Trump. Um belo dia, Trump acha que já aguentou demais e o cutelo baixa no pescoço do infeliz. 

Já Macron é mais circunspecto. Ele não gosta de se separar de seus ministros. Como foi ele mesmo quem nomeou fulano ou fulana, sente-se mal distribuindo punições. Então hesita. E, quando a pressão da opinião pública se torna insuportável, já tem mais ou menos pronto o discurso: “Não gosto de cortar cabeças. X merece minha confiança. Não vou assumir o papel do Judiciário, ao qual cabe decidir sobre o caso”.

Em geral, Macron aproveita para disparar alguma flecha envenenada nos verdadeiros culpados, os jornalistas e a imprensa! Para isso, basta reproduzir o que diz à náusea a opinião geral nas redes sociais: “Os verdadeiros culpados são os jornalistas, que metem o nariz no lixo e demitem um ministro num piscar de olhos”. 

Como fez o Media Part, o jornal eletrônico que fez a pele do ministro de Estado François de Rugy. 

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O Media Part publicou uma reportagem muito bem documentada, com uma foto de um dos jantares que Rugy ofereceu aos amigos e à mulher com dinheiro público. Na mesa, aparecem lagostas gigantes e vinhos como o Châteux Yquem, que custa € 500 a garrafa. Foram as lagostas que abriram os portões do inferno no qual o pobre Rugy foi lançado. 

E tudo culpa de quem? Da imprensa. Ela trouxe à luz a atitude vergonhosa do número 2 do Estado. Num momento em que os trabalhadores lutam para chegar até o fim do mês, o efeito foi o de um soco no estômago.

E a cada vez ouve-se a mesma ladainha: “É culpa dos jornalistas!”. De fato, os jornalistas vêm há alguns anos, e sobretudo desde que Macron saneou o Estado, apontando pecadores e derrubando excelências. Com seus parcos recursos e sua grande inteligência, eles fazem o que a polícia, os juízes e os ministros poderiam fazer com seus grandes recursos e sua pequena inteligência. 

A diferença é o talento, a honestidade, a coragem. Quando um jornal revela uma vilania, ele quase sempre comprova que está dizendo a verdade, ao contrário do que pretendiam os juízes e os ministros. 

Dois jornais estão se revelando mestres nessa arte: Le Canard Enchaîné e, mais recentemente, Media Part. Às vezes grandes jornais, como Le Monde, Le Figaro e Libération, lançam eles mesmos uma vilania. E raramente são desmentidos. 

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Acrescento que esse tal de Rugy não traz em si nenhum interesse. Com que milagre esse personagem obscuro e pouco simpático conseguiu ganhar a confiança de Macron? Mistério! De qualquer modo, ele pelo menos me proporcionou a ocasião de escrever este artigo em defesa da imprensa e dos jornalistas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ É CORRESPONDENTE EM PARIS

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