A distância entre Hamas e EI

Para Israel, não há diferença entre os dois grupos islâmicos; especialistas divergem

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Por CHRISTA CASE , BRYANT e CHRISTIAN SCIENCE MONITOR
Atualização:

O esforço de Israel para conseguir apoio internacional à sua luta contra o Hamas comparando-o ao brutal Estado Islâmico (EI) pode ter ressonância entre a sociedade israelense, mas provoca risos de muitos no exterior - e poderá levar a graves erros estratégicos. Existem diferenças fundamentais nos objetivos e nos métodos dos dois grupos, e a principal delas é o caráter nacionalista da luta do Hamas. O EI, ao contrário, sonha em impor sua versão da sharia (lei islâmica) a todo o planeta. "Tentar equiparar o Hamas e a Al-Qaeda ou o EI acarreta perigos muito sérios, particularmente se essas supostas semelhanças começarem a fazer parte do discurso geral", afirma Charles Lister, pesquisador visitante do Brookings Doha Center no Catar, que estuda os extremistas sunitas e outros movimentos militantes na Síria e no Iraque. "Existe o perigo de avaliações mais específicas do conflito palestino-israelense começarem a sofrer distorções em termos militares, moralistas e políticos." Israel está preocupado com uma crescente onda de militância islâmica - no Ocidente: a Ansar al-Sharia na Líbia, e a Al-Qaeda no Magreb, o Hezbollah ao norte, no Líbano, a Frente al-Nusra ligada à Al-Qaeda no leste, além de militantes na Península do Sinai. Na opinião de muitos em Israel, o Hamas - uma organização da resistência palestina que já lançou mais de 11 mil foguetes contra Israel nos últimos dez anos - faz parte de uma tendência de alcance maior. "Acho que a maioria dos israelenses entende que há um denominador comum entre os dois", afirma Yehuda Ben Meir, diretor do projeto de Segurança Nacional e Opinião Pública do Instituto de Estudos sobre Segurança Nacional em Tel-Aviv. "Embora a maioria tenha consciência do fato de que há diferenças, as semelhanças superam as diferenças." As autoridades e os analistas israelenses equiparam Hamas e EI quanto às execuções públicas, à opressão das mulheres, dos gays e das minorias religiosas, e o fato de ambos procurarem cooptar o apoio da população local oferecendo serviços sociais e intimidando-a com a violência. O Hamas - que chegou ao poder derrotando seus rivais seculares do Fatah nas eleições de 2006, e expulsando-os violentamente de Gaza no ano seguinte - deveria ser tratado com a mesma desumanidade e força usadas contra o EI, dizem os israelenses. "Sei que, há muito tempo, o Hamas tentou estabelecer uma distinção com outras organizações radicais, mas é uma distinção artificial", diz Shaul Shay, ex-vice-presidente do Conselho de Segurança Nacional de Israel, que atualmente está no Instituto de Política e Estratégia do Centro Interdisciplinar Herzliya. "Há alguma diferença entre decapitar uma pessoa na frente da câmera ou atirar nela na frente da câmera?", diz, referindo-se à execução de 18 supostos espiões pelo Hamas, sete deles em frente a uma famosa mesquita. Especialistas nos grupos militantes afirmam que, embora o Hamas tenha algumas semelhanças com o EI, e ambos representem uma ameaça para Israel, entre as diferenças fundamentais está a aceitação pelo Hamas da ideia de um Estado-nação, o uso mais comedido da força, sua distribuição mais sofisticada da justiça, e sua disposição em colaborar com elementos xiitas como o Hezbollah e o Irã, até recentemente principal financiador do movimento. Evidentemente, o Hamas defende a violência contra Israel. O documento de fundação do movimento prevê a destruição de Israel e estabelece como dever religioso de todo muçulmano, não apenas na Palestina histórica, mas em todo o mundo árabe e muçulmano, participar da jihad contra o sionismo até a libertação da Palestina. "Eles continuam cruéis, continuam dispostos a usar a violência, mas não no mesmo grau - pelo menos agora - do que vemos no caso do EI, cujos integrantes se dedicam a uma orgia de violência com quem não estiver ao seu lado", diz Magnus Ranstorp, diretor de pesquisa do Centro de Estudos sobre Ameaças Assimétricas do Colégio Nacional Sueco, em Estocolmo, que acompanha o Hamas e o Hezbollah há 25 anos. Por exemplo, o primeiro passo do EI no novo território é o estabelecimento de um tribunal islâmico da sharia, que aplica a justiça de acordo com sua interpretação da lei islâmica, afirma Ranstorp. Por outro lado, o Hamas tem "uma maneira muito mais sofisticada de fazê-lo mediante a arbitragem do clã; ele tem algum elemento de processo judicial que não é tão severo quanto os tribunais da sharia no Estado Islâmico", destaca o especialista. Embora outros riam da ideia de que o Hamas possa eventualmente querer instalar um califado, Ranstorp se mostra mais cauteloso em limitar as aspirações do movimento ao território que faz fronteira com Líbano, Egito e o Rio Jordão. O fundador do Hamas, Ahmed Yassin, assassinado por Israel em 2004, disse em certa ocasião que seria necessária uma revolução islâmica em territórios adjacentes - referindo-se ao Líbano e ao Egito - para que o Hamas conseguisse atingir seus objetivos. E Yusuf Qaradawi, o líder espiritual da Irmandade Muçulmana, de onde saiu o Hamas, disse meses atrás que a Irmandade busca um governo muçulmano transnacional, mas em termos diferentes do que pretende o EI. "Nós esperamos a chegada do califado o mais rapidamente possível", afirmou Qaradawi, embora ele tenha denunciado o EI como um grupo "conhecido por suas atrocidades" - e não qualificado para estabelecer essa forma de governo. "Mas a declaração emitida pelo Estado Islâmico é nula sob a sharia e acarreta consequências perigosas para os sunitas do Iraque e para a revolta na Síria". / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA É CHEFE DA SUCURSAL DO CS MONITOR EM JERUSALÉM

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