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À espera de um deslizamento

Crises ocorridas na década passada polarizaram a política americana e trouxeram à tona a ''teoria do realinhamento''

Por Ross Douthat
Atualização:

Em 1955, um cientista político, V.O. Key, publicou um ensaio intitulado "Uma tese sobre eleições críticas". Ele afirmava que os realinhamentos na política americana costumam ser marcados por eleições transformadoras, nas quais a velha ordem de repente entra em colapso e outra maioria passa a ocupar seu lugar. A "teoria do realinhamento" foi adotada por muitos acadêmicos, pois se adequava muito bem ao momento histórico. Ao que tudo indica, a cada 30 ou 40 anos, a ordem política americana se renovaria decisivamente: foi o que aconteceu em 1800, quando os republicanos democráticos de Thomas Jefferson derrotaram os federalistas de John Adams; em 1828, quando os republicanos democráticos se dividiram em democratas e conservadores; e assim por diante, até o surgimento da coalizão do New Deal de Franklin D. Roosevelt. Mas o que foi fundamental para os cientistas políticos do passado é uma armadilha para os políticos do presente. Um dos motivos pelos quais a política americana tornou-se "menos estável, menos efetiva e menos previsível" - segundo o texto do rebaixamento da nota de crédito da Standard & Poor"s aos EUA - é a persistente influência da teoria de Key, e o sonho sedutor do realinhamento que ela trouxe à tona. Este sonho paira sobre os líderes desde Richard Nixon e Ronald Reagan a Bill Clinton e Newt Gingrich. Mas na década passada teve um destaque maior, pois nossa política ficou mais polarizada e, como resultado, nosso país sofreu e sofre de uma série de perturbações. Acontecimentos como o 11 de Setembro e a Grande Recessão convenceram os partidários de ambas as partes da iminência de um realinhamento drástico. Daí a esperança conservadora de que a guerra ao terror faria a política americana pender para a direita, e o pressuposto liberal de que a crise financeira de 2008 destruiu a coalizão de Reagan. Daí o famoso objetivo de Karl Rove de uma maioria republicana permanente e a promessa de Rahm Emanuel de que a Casa Branca de Obama não permitiria "desperdiçar a oportunidade da crise". Daí o pressuposto de que cada eleição presidencial é a mais importante. Nossas recentes eleições tiveram consequências dramáticas. E as próximas terão consequências enormes, quer a próxima maioria se caracterize mais pelo liberalismo de Obama, quer pelo conservadorismo do Tea Party ou por alguma outra visão de mundo. Mas não há garantia de que esta maioria consiga se estabelecer a tempo para salvar o país da crise fiscal. No meio tempo, nossos líderes têm uma responsabilidade que transcende as diferenças ideológicas: a de colaborar para que o país continue solvente. O sonho do realinhamento tornou-se o inimigo destes compromissos. Ele inspira os políticos a se declarar com um mandato abrangente por causa de uma vitória eventual. Ao mesmo tempo, os perdedores tornaram-se intransigentes e esperam um realinhamento próprio. Na realidade, as próximas eleições talvez não tenham uma importância transformadora maior do que as de 2008. O próximo presidente republicano poderá se sentir tão cercado e frustrado quanto Obama se sente. Sem falar que, ao mesmo tempo, os EUA ainda terão de reverter a classificação de crédito, e fechar o déficit. Nada disso significa que os nossos partidos precisem desistir de suas mais profundas convicções e seus planos grandiosos. Mas na esteira do rebaixamento é preciso que governem como se a vitória final nunca possa se concretizar. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLAÉ COLUNISTA

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