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A Europa frente à imigração

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

Domingo. Três imagens da Europa. Na fronteira da Grécia com a Macedônia, a polícia, assoberbada, acaba cedendo. Permite a entrada em território macedônio de uma multidão esgotada, desesperada e ruidosa. Três mil homens, mulheres e crianças avançam apressados. São sírios, paquistaneses e afegãos vindos da Grécia que querem seguir para países nórdicos. Na Itália, 4,4 mil imigrantes, à deriva em embarcações aterradoras, são socorridos em 24 horas e têm as vidas salvas. Desde janeiro, 108 mil refugiados desembarcaram na Itália. Outros, algumas dezenas de milhares, morreram afogados. No mesmo domingo, na Alemanha, a tranquila cidade de Heidenau se preparava para receber 600 refugiados numa área transformada em centro de acolhida. Neonazistas se acercaram do local. Centenas deles entraram em choque com a polícia, mas acabaram expulsos. Os refugiados estão agora sob severa vigilância da polícia diante do temor de novos ataques fascistas. "Não é um centro de recepção, mas um campo entrincheirado", disse um jovem afegão. Poderíamos multiplicar as imagens. Evocar a ilha grega de Kos, invadida dia após dia por multidões desesperadas. Ou ainda a cidade de Calais, no norte da França, onde milhares de migrantes tentam, sem esperança, e às vezes morrendo, chegar à Grã-Bretanha. Mais uma vez a chanceler alemã, Angela Merkel, mostra reflexos mais rápidos do que outros chefes de Estado europeus. Ela disse o que já se sabia: que a avalanche de refugiados chegando à Europa é muito mais perigosa do que a crise financeira da Grécia. Berlim espera receber 800 mil pedidos de "regularização" este ano, ou seja, quatro vezes mais do que no ano passado. Merkel discutiu essa tragédia com seu colega francês François Hollande, que teve assim a chance de descobrir o problema. Já era tempo. A inércia da Comunidade Europeia fomentou comportamentos repugnantes. Em alguns lugares, campos de refugiados foram incendiados. Uma deputada francesa de direita propôs que a Marinha atirasse contra barcos que trazem os migrantes. Mulheres pedindo asilo são violentadas. E mais escandaloso ainda nessa corrida à ignomínia é a atitude dos países do leste do continente. Um deles propôs abrir suas fronteiras para os refugiados, mas apenas se forem cristãos. Outro exemplo de egoísmo: dois países sofrem diretamente com o problema pois estão a dois passos da África e da Ásia: a Itália e a Grécia, as duas portas de entrada do continente. Ora, a Itália não é um país muito rico e a Grécia está falida. Em nome de quem os dois países têm de suportar, sozinhas, o peso desse flagelo? E os países opulentos do norte dividirão esse fardo com Roma e Atenas? De modo algum. Quando a crise financeira da Grécia causava estragos, os implacáveis credores internacionais poderiam afrouxar um pouco a corda que estrangulava o país, tendo em vista o peso enorme dos migrantes sobre as finanças. Nem cogitaram tal possibilidade. É inquietante. Vozes nervosas querem a abolição do espaço Schengen. Mas isso seria admitir o fracasso. Significaria retornar à Europa de outrora, repleta de fronteiras ensanguentadas, ódios e guerras, que os pioneiros, os "fundadores da Europa" há 60 anos, sonharam substituir por uma Europa de fraternidade, intercâmbio e solidariedade. Schengen é a mais bela realização de uma Europa que, além de tudo, tem colecionado fracassos. Abolir Schengen será admitir o malogro de um belo sonho. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINOGILLES LAPOUGE É CORRESPONDENTE EM PARIS  

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