PUBLICIDADE

A extrema direita alemã sumiu das eleições, mas 'veio para ficar'

Na formação do próximo parlamento nacional, o partido Alternativa para a Alemanha, de extrema direita, deve seguir como pária. Mas também parece certo seu papel na definição do futuro do país

Por Katrin Bennhold
Atualização:

BERLIM — Eles prometeram “caçar” a elite. Questionaram a necessidade de um memorial ao Holocausto em Berlim e descreveram imigrantes muçulmanos como “garotas do lenço na cabeça” e “rapazes do canivete".

Quatro anos atrás, a Alternativa para a Alemanha (AfD) chegou ao parlamento alemão como uma equipe de demolição, o primeiro partido de extrema direita a conquistar um lugar no coração da democracia alemã desde a 2ª Guerra. Foi um terremoto político em um país onde o Partido Nazista de Hitler começou como minoria extremista até ganhar poder em eleições livres.

Alice Weidel (esq.), líder do grupo parlamentar doAlemanha Alternativa para a Alemanha (AfD) participa de debate na TV. Foto: Tobias SCHWARZ / POOL / AFP

PUBLICIDADE

Com outra eleição se aproximando no domingo, os piores medos de muitos alemães não se concretizaram: o apoio ao partido encolheu. Mas a AfD não parece destinada a desaparecer do cenário político tão subitamente quanto entrou em cena. Para os analistas políticos, o destino da Alemanha não será decidido pela extrema direita nesta eleição, mas o futuro do país será em parte moldado por ela.

“A AfD veio para ficar", disse Matthias Quent, professor de sociologia da Universidade de Ciências Aplicadas de Magdeburge especialista naextrema direita. “Houve uma esperança ingênua e generalizada de que o fenômeno seria apenas um movimento de protesto de vida curta. A realidade é que a extrema direita se enraizou no panorama político alemão.”

A AfD tem cerca de 11% do eleitorado, pouco menos do que os 12,6% vistos no resultado de 2017, e tudo indica que o partido manterá sua presença no parlamento (partidos com menos de 5% dos votos não recebem assentos). Mas, com todos os demais partidos se recusando em incluir a AfD nas negociações para a próxima coalizão de governo, o partido está, na prática, afastado do poder.

“A AfD está isolada", disse Uwe Jun, professor de ciência política da Universidade de Trier.

Mas, com o dois principais partidos da Alemanha caindo abaixo da marca dos 30% do eleitorado, a AfD continua a ser uma força perturbadora, que complica os esforços de construção de uma coalizão de governo com uma maioria dos votos e assentos do parlamento. Tino Chrupalla, um dos dois principais candidatos da AfD na eleição, acredita que, futuramente, o bloqueio erguido pelos demais partidos contra o seu cederá, provavelmente em um dos estados da antiga Alemanha Oriental que concentram atualmente a maior parte do seu eleitorado.

Publicidade

“Não é sustentável", disse ele. “Estou certo que, mais cedo ou mais tarde, não haverá como seguir sem a AfD", disse ele aos repórteres na semana passada. “É algo que certamente começará no nível estadual.”

Fundada oito anos atrás como partido de protesto nacionalista e defensor do livre-mercado contra o resgate da Grécia e do euro, a AfD deu uma acentuada guinada à direita.

O partido aproveitou a decisão da chanceler Angela Merkel de receber mais de um milhão de imigrantes na Alemanha em 2015 e 2016, estimulando ativamente o medo da islamização e de uma alta na criminalidade. Seu ruidoso nacionalismo e posicionamento contra os imigrantes foram o que alçou o partido ao parlamento, transformando-o instantaneamente no principal partido alemão de oposição.

Mas o partido teve dificuldade para ir além de seus ganhos iniciais nos 18 meses mais recentes, com a pandemia e, mais recentemente, a mudança climática chegando entre as principais preocupações do eleitorado — ao passo que a questão da imigração, central para a AfD, mal foi citada na campanha eleitoral deste ano.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A AfD tentou embarcar no caos do Afeganistão para fomentar temores de uma nova crise de imigrantes. “Colônia, Kassel ou Konstanz não podem receber mais ninguém de Cabul", afirmava um dos pôsteres e campanha do partido. “Salvar o mundo? Claro. Mas, em primeiro lugar, a Alemanha!” dizia outro.

Em comício eleitoral recente ao norte de Frankfurt, Chrupalla exigiu que os legisladores “abolissem” o direito constitucional ao asilo. Também afirmou à emissora pública Deutsche Welle que a Alemanha deve se preparar para defender suas fronteiras, “pela força armada se necessário".

Nenhum elemento dessa retórica fez diferença na corrida eleitoral, em particular porque o eleitorado parece ter preocupações mais fundamentais a respeito da aura de extremismo do partido. Algumas lideranças da AfD marcharam ao lado de extremistas nas ruas, enquanto a base de apoio do partido inclui um conjunto eclético de adeptos das teorias da conspiração e simpatizantes do neonazismo.

Publicidade

A AfD não foi associada diretamente a episódios de violência política, mas suas transgressões verbais contribuíram para uma normalização da linguagem violenta e coincidiram com uma série de mortíferos ataques terroristas de extrema direita.

Em junho de 2019, um político regional que defendia a política de Merkel para os refugiados foi morto na porta de casa por um neonazista conhecido. Posteriormente, o assassino disse ao tribunal que tinha participado de um grande protesto da AfD um ano antes.

Desde então, um radical de extrema direita atacou uma sinagoga em Halle, leste do país, durante uma cerimônia de Yom Kippur, deixando dois mortos e quase cometendo um massacre. Outro radical matou a tiros nove jovens de origem imigrante em Hanau, cidade no oeste do país.

A ascensão inicial da AfD nas intenções de voto perdeu fôlego quase instantaneamente após o ataque em Hanau. “Depois desses três episódios, o público alemão e a mídia perceberam pela primeira vez que a retórica da AfD conduz a uma violência real", disse Hajo Funke, da Universidade Livre de Berlim, que escreveu muito a respeito do partido e acompanha sua evolução.

“Foi um ponto de virada", disse ele. “Eles passaram a personificar a ideia segundo a qual palavras levam a ações.”

Pouco depois do ataque em Hanau, Thomas Haldenwang, diretor do Gabinete de Proteção à Constituição, agência alemã de inteligência doméstica, incluiu elementos da AfD sob vigilância por extremismo de direita — enquanto legisladores do partido seguiam trabalhando no parlamento.

“Sabemos pela história alemã que o extremismo de direita não destrói apenas vidas humanas, mas toda a democracia", alertou Haldenwang depois de anunciar sua decisão em março do ano passado. “O extremismo de direita e o terrorismo de extrema direita são atualmente o maior risco à democracia na Alemanha.”

Publicidade

Hoje, a agência tem cerca de um terço de todos os membros da AfD cadastrados como extremistas, incluindo Chrupalla e Alice Weidel, a outra candidata de destaque do partido. Um tribunal está avaliando se o partido inteiro pode ser colocado sob observação formal.

“Em termos de poder político, a AfD é irrelevante", disse Funke. “Mas é perigosa.” Chrupalla, um decorador que às vezes sobe ao palco de macacão, e Alice Weidel, sempre de blazer, ex-analista do Goldman Sachs, lésbica e mãe de duas crianças, buscaram mudar esta impressão. Como se buscasse deixar isso claro, o principal slogan do partido para a eleição deste ano é: “Alemanha — mas normal".

Uma análise rápida das 207 páginas do programa eleitoral do partido mostra qual o significado de “normal”: a AfD exige a saída da Alemanha da União Europeia. Pede a abolição de todas as medidas obrigatórias de combate ao coronavírus. Quer a volta da definição tradicional de cidadania alemã, com base na ascendência. E trata-se do único partido no parlamento que nega a mudança climática causada pelo homem, ao mesmo tempo defendendo o investimento em usinas de carvão e o fim da adesão ao acordo climático de Paris.

O fato de o eleitorado da AfD ter se mantido praticamente constante nos 18 meses mais recentes indica que seus defensores não são eleitores revoltados com o sistema, e sim alemães que se identificam com suas ideias e sua ideologia.

“A AfD revelou um eleitorado pequeno e muito radical que muitos acreditavam não existir neste país", disse o sociólogo Quent. “Quatro anos atrás, as pessoas se perguntavam: ‘De onde vem isso?’ Na verdade, sempre esteve ali. O que faltava era um gatilho.”

Quent e outros especialistas calculam que o teto de apoio ao partido no país chegue a 14%, aproximadamente. Mas, em partes do leste, onde a AfD se tornou uma força política ampla e enraizada, esta fatia chega frequentemente ao dobro disso, o suficiente para fazer da AfD a segunda maior força política regional.

Entre o eleitorado com menos de 60 anos, disse Quent, ela se tornou a número um. “É apenas questão de tempo até que a AfD se torne o partido mais forte no leste", disse Quent.

Publicidade

É por isso que Chrupalla, cujo reduto eleitoral fica na Saxônia, leste da Alemanha, o único estado onde a AfD já alcançou o primeiro lugar, erm 2017, prevê que o grupo um dia se tornará grande demais para ser excluído.

“No leste, somos um partido popular, temos uma base forte nos níveis local, municipal, regional e estadual", disse Chrupalla. “No leste, a classe média vota na AfD. No oeste, eles votam no Partido Verde.”

TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.