Diariamente, uma nova ideia é lançada pelo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Agora, ele afasta qualquer possibilidade de um novo adiamento da data de saída do Reino Unido da União Europeia. Ameaça o Parlamento, que gostaria de silenciar. E, se o Parlamento se recusar a respeitar a data de 31 de outubro para um Brexit “duro”, segundo o calendário do premiê, ele não exclui uma dissolução. E ele tem direito?
Em vez de nos envolvermos nas manobras obscuras do premiê, gostaríamos de colocar o foco na família Johnson, em seus irmãos e irmãs. Todos os membros são pessoas resolutas, brilhantes, espiritualizadas, devoradas pela ambição, não conformistas, e um pouco provocadoras. E não podemos formar uma imagem de Boris sem evocar essa família desconcertante e encantadora.
Essa família costuma ser comparada ao clã Kennedy, acrescida do humor e do cinismo. Uma dinastia implacável. Seis filhos, quatro do casamento do patriarca, Stanley Johnson, com uma pintora, Charlotte, separada do primeiro marido em 1979.
Stanley, o pai, é um amante de pilhérias e embustes, desenvolto, mas que, sob as maneiras fantasistas e iconoclastas é, na realidade, um homem devorado pela ambição. A família, mesmo sendo muito rica, não faz parte da grande aristocracia britânica.
Stanley colocou todos os filhos nas escolas mais chiques do reino, como Eton e Oxford. Eles aprenderam as boas maneiras e a insolência. Constituíram uma agenda de endereços que valem ouro. Tudo isso não pelo amor da sabedoria, mas para poder subir como macacos no alto da pirâmide social.
Quando seus filhos e filhas optaram pelo jornalismo, economia, artes ou pela vida mundana, isso não foi importante para ele. O essencial era que aprendessem nas boas escolas, além do latim e da geometria, as limitações e as delícias da ambição e a receita para fazer sua propaganda pessoal.
Deste ponto de vista, a educação desejada por Stanley foi um sucesso: todos os filhos ocupam posições de alto escalão na esfera mundana, política, artística ou econômica do país. Todos compartilham a mesma virtude (ou vulgaridade): uma ambição desenfreada.
O talento de Stanley é fazer reinar entre os filhos um desafio perpétuo, mas sem que essa competição tenaz para ser o melhor não degenere em querelas, invejas, rancores, maldades e outros inconvenientes. Mesmo genros e noras se adaptaram a essa sacralização da ambição. “Ser casado com uma Johnson”, disse um dos genros, “é como adotar uma família de cãezinhos barulhentos, que saltam para todo lado e têm a tendência a derrubar os objetos delicados da mesa”.
Lendo o retrato da família, feito pelo jornalista Eric Gilbert, do Le Monde, o que espanta é que essa ambição implacável, por vezes cruel e vulgar, e quase sempre triunfante, é considerada uma virtude pelos Johnsons. Em vez de camuflar ou de dar uma forma de altruísmo a essa ambição, eles falam cruamente dela e sem nenhuma vergonha. Eles a exibem como um brasão familiar, uma decoração. Um troféu. Como uma razão de viver e de morrer.
Segundo um amigo da família, “os Johnsons formam um clã que é ao mesmo tempo estreito e ultracompetitivo. Stanley inculcou neles esse sentido de concorrência: querer sempre ser o melhor, o primeiro. Mas não há valores. O essencial é ganhar”. Uma das irmãs de Boris, tão ambiciosa quanto inteligente, Rachel, conseguiu um belo lugar na literatura e no jornalismo.
“Em resumo, em Londres, você não pode jamais estar a mais de alguns metros de um Johnson”, disse ela. Essa mesma Rachel se referiu a um fotógrafo que fazia uma reportagem sobre ela dizendo: “Assegure que suas fotos me favoreçam. O resto não interessa.”
Outro dia, em entrevista, ela deixou entrever uma vaga queixa, mas sem acrimônia. “Devo me render às evidências. Hoje sou conhecida sobretudo por ser a irmã de Boris. É difícil ter uma existência própria, porque Boris é essa figura política importante. Não é fácil. Mas eu o amo. É a família.”
Outra indiscrição de um próximo da família: “O que conta para eles é estar no centro das atenções, no centro do poder. A razão pela qual ocupam esse lugar é secundária.” Há três anos, Boris está no centro da batalha política em Londres, porque é um dos mais veementes partidários do Brexit sem acordo.
Isso significa que toda a família defende também um Brexit duro? Não. A unidade do clã pode oscilar. Ela jamais fraturou. Rachel lembrou do dia em que foram conhecidos os resultados do referendo de 2016, com a vitória dos defensores do Brexit. Ela havia terminado uma conferência em Nice.
“Atravessei o aeroporto, repleto de personalidades da publicidade, do cinema, da imprensa. As pessoas se afastavam de mim. Alguns choravam. Ninguém me dirigia a palavra depois daquilo que o meu irmão Boris havia feito para o ‘continente’. Fiquei muito triste.”
A ironia é que em sua quase totalidade a família Johnson é pró-Europa. O pai, Stanley, passou mais de 30 anos a serviço da UE, em Bruxelas ou em outros lugares. A um jornalista que lhe perguntou como são os sacrossantos jantares da família, Rachel respondeu: “Bem, não falamos sobre Brexit, porque o ambiente ficaria tenso. Além disso, não seria justo, pois todos nós estaríamos contra Boris. Seria um assédio moral.” Uma família de dândis! / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINOÉ CORRESPONDENTE EM PARIS