A fantástica ideia chata de Obama

Pequenas ações de incentivo à agricultura vêm melhorando a vida dos africanos, mas são tão simples que não ganham a atenção dos americanos

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Por É COLUNISTA , NICHOLAS D. , KRISTOF , É COLUNISTA , NICHOLAS D. e KRISTOF
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Os campos das fazendas de Malavi são cemitérios de milho seco. Uma forte estiagem deixou o milharal marrom, ressecado e morto. Normalmente, tamanho desastre na colheita significa fome. Então, chegam as câmeras de TV e transmitem as imagens das crianças desnutridas para as salas de lares europeus e americanos. Carregamentos de comida são enviados às pressas a um custo imenso. No entanto, existe uma maneira melhor, que pode ser vista desenvolvendo-se aqui na zona rural de Malavi, no sul da África. Em vez de enviar o alimento depois da tragédia, a agência americana de ajuda humanitária, Usaid, tem trabalhado com os agricultores locais na promoção de novos métodos de cultivo e colheitas diferentes para evitar que os camponeses tenham de se preocupar com a fome. Jonas Kabudula é um agricultor local cuja colheita de milho foi totalmente perdida. Ele disse que, normalmente, sua família já estaria passando fome a essa altura. Entretanto, com a ajuda de um programa da Usaid, ele e outros camponeses plantaram também pimentas, um cultivo pouco tradicional que não exige muita chuva. "Os outros produtos secaram, mas as pimentas sobreviveram", disse Kabudula. Além disso, cada saca de pimentas vale cerca de cinco sacas de milho, de modo que ele e outros aldeões puderam vender as pimentas e comprar toda a comida que precisavam. "Se não fossem as pimentas não teríamos alimento", disse Staford Phereni, outro agricultor. O presidente Barack Obama fez da agricultura um elemento central de seus programas de auxílio ao exterior, obtendo resultados variados. Do lado positivo, as iniciativas são inteligentes, têm boa relação custo-benefício e trazem o potencial de uma transformação. Do lado negativo, são chatas. Em um momento em que há nos EUA um importante debate envolvendo o auxílio ao exterior, iniciativas que ajudam os agricultores africanos não impressionam muito o Congresso nem o povo dos EUA. No entanto, apesar de chatas, são iniciativas bem-sucedidas. Estou em minha viagem anual na companhia de um estudante sorteado - este ano, meu companheiro é Jordan Schermerhorn, da Universidade Rice. Aqui, vimos alguns campos sendo irrigados pela primeira vez graças a um sistema de bombas movido a pedais (semelhantes às máquinas elípticas de uma academia de ginástica). Alguns agricultores, porém, estão deixando para trás a força das pernas. A empreendedora social Evelyn Kadzamira mostrou uma bomba movida a gasolina que ela comprou por US$ 110 com a ajuda da associação de empréstimos e a poupança de seu vilarejo. Ela usa o equipamento para irrigar seus campos e planeja começar, em breve, a alugar a bomba para outros agricultores. Baixa produtividade. A Usaid só tem capacidade para trabalhar com uma pequena minoria dos agricultores. No entanto, as inovações no cultivo podem assumir um caráter viral e foi assim que Evelyn começou. "Vimos, no ano passado, que alguns agricultores usaram a irrigação e tiveram sucesso, enquanto nós passamos fome por não ter irrigado os campos", disse. "Por isso, decidimos irrigar a terra este ano." O contexto geral da região é de meio século de problemas na agricultura africana. No continente, o rendimento das colheitas equivale a apenas um terço da média mundial e seu progresso avança a um ritmo muito mais lento do que no restante do mundo. Como resultado, a parcela do comércio mundial de alimentos que cabe à África caiu de 8%, em 1960, para os cerca de 3% atuais, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisas em Políticas Alimentares. Apenas 3,5% das terras cultivadas da África são irrigadas, proporção que chega a 39% no sul da Ásia, de acordo com as Nações Unidas. A Ásia usa quase 20 vezes mais fertilizante do que a África. E os cientistas botânicos desenvolveram poucas variedades de cultivo adequadas para o ambiente africano. Como resultado, em Malavi, cerca de 47% das crianças com menos de 5 anos sofrem de desnutrição. No entanto, há agora sinais de que a agricultura africana deve viver um período de rápida melhoria, apesar dos alertas feitos pelos cientistas ambientais, que falam em mudanças climáticas associadas ao aumento nas emissões de carbono. Progressos. As perspectivas melhoradas refletem a intensificação dos esforços para colocar a agricultura no centro das iniciativas de combate à pobreza. O próprio Malavi obteve progressos ao desafiar os especialistas globais e subsidiar o fertilizante. Isso contrariou os conselhos internacionais - os governos africanos têm sido pressionados a cortar os subsídios de todo tipo -, mas o maior volume de fertilizante distribuído causou um grande aumento no rendimento das colheitas e Malavi se converteu em um exportador de milho. Outro desafio enfrentado pelos agricultores é a precariedade do armazenamento: até 40% da produção de milho é perdida após a colheita em razão dos roedores, dos insetos e da umidade. Assim, o grupo internacional Care está mostrando aos camponeses como construir silos em miniatura, feitos de lama e equilibrados sobre palafitas, que reduzem o desperdício para cerca de 5%. Em Kasungu, norte do Malavi, uma mulher chamada Viknesi Chimbonga mostrou dois desses novos silos construídos por ela. Eles permitem que a agricultora armazene o milho durante meses, vendendo-o na "estação da fome", imediatamente antes da colheita seguinte, quando o preço é cinco vezes mais alto. Viknesi nunca foi à escola, mas planeja usar o lucro para mandar o filho à universidade. Ele seria o primeiro estudante do vilarejo a fazê-lo. Assim, pode ser verdade que as pimentas sejam a forma de auxílio estrangeiro menos glamourosa que possamos imaginar. E o mesmo vale para as bombas de irrigação e para os silos feitos de lama. No entanto, se esse tipo de auxílio pode ajudar a acabar com a fome e o envio de auxílio emergencial e se possibilita que jovens cheguem à universidade, então é preciso celebrar a ajuda. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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