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A farsa chavista

Para quem teima em chamar de democracia a Venezuela na era de Hugo Chávez, os últimos dias têm sido um desafio. O lider reeleito permanece em Cuba, no seu leito hospitalar, ora se convalescendo, ora agonizando - escolhe você a sua versão - de um câncer. O fato é que, além da cúpula caraquenha, dos irmãos Raúl e Fidel Castro e da equipe médica de Havana, ninguém mais sabe e nada se pode afirmar com certeza a respeito do estado verdadeiro do paciente venezuelano. Desde o dia 11 de dezembro, não houve nenhum pronunciamento oficial, tuíte ou sequer imagem do presidente venezuelano que, depois de tanto garantir que estava curado de um câncer misterioso, voltou às pressas à mesa de cirurgia cubana. Com o "imprevisto", o presidente eleito foi declarado temporariamente indisponível e a sua posse, marcada para o dia 10, acabou adiada. Nesse meio tempo, o país continua na mão da junta bolivariana, sob a guarda de Nicolás Maduro, o vice-presidente, cujo mandato tecnicamente acabou, mas que insiste no cargo, teleguiado pelo comandante invisível. Indefinição. Se na União Soviética o stalinismo fortaleceu-se apagando dos retratos oficiais a imagem de muitos camaradas indesejados, atualmente, a boligarquia chavista agarra-se ao poder evocando a vontade do presidente fantasma. Cada um com sua própria maquiagem. Chávez pode estar vivo ou não, mas a democracia venezuelana, que até na gestão chavista sempre manteve certas aparências - como eleições populares e liberdade tutelada de expressão -, já caducou. Exagero dos neoimperialistas? Pergunte aos produtores da Globovisión, o canal de televisão independente, um dos poucos críticos do governo, que foi proibido de transmitir um debate sobre as regras constitucionais de sucessão. Talvez por isso, a comovente manifestação popular da última quinta-feira nas ruas de Caracas, convocada no lugar da posse, tendia mais para um réquiem sobre um herói tombado do que a comemoração de um governo renovado. Populares às lágrimas alçaram bonecos do líder pintado em cartolina. Caças da Força Aérea venezuelana costuraram os céus. O animador de televisão, Wilson Vallenilla prostrou-se de joelhos na terra para solidarizar-se com o líder adoentado. O presidente boliviano, Evo Morales, relembrou, em tom de veneração, a evolução da receita petroleira do longo do governo chavista, enquanto Maduro ameaçou quem ousasse desafiar o legado bolivariano. "Não haverá direita apátrida que possa manchar a marca do comandante Hugo Chávez", declarou o ex-chanceler. Para onde vai o governo acéfalo não se sabe. Como a oposição política e juristas tarimbados não se cansam de lembrar, a sucessão pisoteou a Constituição. De acordo com o Artigo 233 da Carta, o impedimento absoluto do presidente eleito antes da sua posse confere o poder ao presidente da Assembleia Nacional, que, por sua vez, deve convocar novas eleições gerais no prazo de 30 dias. No entanto, nas entrelinhas da Carta, redigida por uma Assembleia Constituinte loteada de chavistas, há brechas oportunistas. Uma delas dá ares de legalidade à manobra bolivariana. Em caso de impedimento "temporário", o presidente eleito pode ser declarado provisoriamente ausente (Artigo 234) e a sua posse adiada por até seis meses. Só que, por essa via, quem assume seria também o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello - e não Maduro, cujo primeiro mandato como vice terminou no dia 10. No entanto, o Tribunal Superior de Justiça (TSJ), de maioria chavista, inovou ainda mais ao declarar desnecessária a posse presidencial, com o argumento de que Chávez é sucessor dele mesmo. Por isso, o rito da posse seria um mero formalismo (leia-se, firula burguesa). No cálculo chavista, já que o povo votou em Chávez, é o povo que toma posse no seu lugar. Quem garante é a cúpula governante, que se diz ungido do líder. Assim, há uma certa consistência na lógica tortuosa bolivariana, antes e depois de Chávez. Na Constituição venezuelana, vale o escrito. Pelo menos até que o poder de momento escreva outra coisa.

Por Mac Margolis
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