A história da decisão americana de ir à guerra

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Por Agencia Estado
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Vista pelos especialistas como um evento capaz de deslocar as placas tectônicas das relações internacionais e produzir vários terremotos ao longo dos próximos anos, a guerra quase solitária que o presidente George W. Bush está para desencadear contra o Iraque, sob a desaprovação do mundo, é o resultado de um processo de decisão atípico no governo dos Estados Unidos. Iniciado com um memorando de duas páginas e meia que o presidente americano assinou no dia 17 de setembro de 2001, seis dias depois aos ataques contra o World Trade Center e o Pentágono, o debate interno que transformou o Iraque no alvo da estratégia antiterrorista de Bush, depois da expedição punitiva que destruiu o governo do Taleban, no Afeganistão, envolveu um número relativamente reduzido de participantes e passou ao largo dos canais tradicionais de formulação da política externa americana. "A decisão de confrontar o Iraque foi, em muitos sentidos, uma vitória de um pequeno grupo de conservadores que, no início da administração, descobriu-se em desvantagem numérica em relação às vozes mais moderadas nas forças armadas e na burocracia da política externa", escreveu Glenn Kessler, no Washington Post. Para G. John Ikenberry, professor de Relações Internacionais da Universidade de Georgetown, Bush embarcou numa "guerra preventiva, que é algo extraordinário na história americana" e deveria ter exigido "um padrão de justificação extraordinariamente alto". Segundo Ikenberry, não foi, contudo, o que aconteceu e a apresentação pública do caso contra Saddam Hussein acabou espelhando o processo decisório interno e contribuindo, no final, o isolamento diplomático dos EUA. A origem intelectual dos argumentos usados pela administração para justificar um ataque e concluir a tarefa não acabada da Guerra do Golfo, em 1991, está numa carta que dez conservadores, todos atualmente altos funcionários do governo Bush, escreveram ao presidente Bill Clinton em 1998 aconselhando-o a "executar uma estratégia para remover Saddam Hussein do poder". Entre os signatários estavam o atual vice-presidente Dick Cheney, o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, seu vice, Paul Wolfowitz, e Zalmay M. Khalilzad, ex-embaixador especial para o Afeganistão e atual enviado especial da Casa Branca junto à oposição iraquiana. A influência desse grupo de conservadores e de outras vozes, especialmente do lobby pró-Israel, levou Clinton a introduzir a noção da "mudança de regime" entre os objetivos da política externa dos EUA no Iraque. Mas a mudança ficou no papel. E, sem o 11 de setembro, provavelmente teria continuado assim. Provavelmente, Bush teria colocado Saddam Hussein na lista oficial dos alvos da guerra dos EUA contra o terrorismo no dia 29 de janeiro do ano passado, quando anunciou, em seu primeiro discurso ao Congresso sobre "o estado da União", que o Iraque, a Coréia do Norte e o Irã constituíam um "eixo do mal". No início de junho, ao falar na cerimônia de formatura dos cadetes da Academia do Exército, em West Point, Nova York, o presidente americano introduziu o princípio da "ação preventiva" como legítima defesa contra ameaças potenciais. No interior do governo, a estratégia delineada pelas duas decisões alimentou um intenso debate. A essa altura, os preparativos do plano de guerra já haviam iniciado, com as dúvidas dos chefes militares a respeito da idéia refletida em repetidos vazamentos de aspectos do plano à imprensa. Em setembro, o secretário de Estado Colin Powell emergiu como o vencedor de um debate interno contra Cheney, Rumsfeld e Wolfowitz. Sem estabelecer qualquer vínculo convincente entre a Al-Qaeda, a organização terrorista responsável pelo 11 de setembro, e a ditadura iraquiana, o trio insistia no tratamento unilateral da questão, sob o argumento de que o que estava em jogo na confrontação com o Iraque era a segurança nacional dos EUA e não cabia envolver as Nações Unidas. Um ex-general que comandou o Estado-Maior das Forças Armadas na Guerra do Golfo, quando os EUA mobilizaram uma coalizão de 34 nações sob a bandeira da ONU para expulsar o exército invasor iraquiano do Kuwait, Powell convenceu Bush a buscar a legitimidade internacional para o ataque. Essa estratégia começou a tomar forma no dia 12 de setembro, quando o presidente americano discursou perante a Assembléia Geral da organização internacional. Em 5 de novembro, depois de várias semanas de difíceis negociações, o Conselho de Segurança aprovou por unanimidade a resolução 1441, que reconstituiu o regime de inspeção de armas no Iraque, suspenso desde 1998, e concedeu uma "última oportunidade" para o país desarmar-se ou fazer face a "sérias conseqüências". O esforço de guerra continuou, contudo, em paralelo, e acabaria por gerar as resistências que levaram ao isolamento diplomático dos EUA. Embora Wolfowitz seja geralmente considerado o pai da estratégia, os livros de história provavelmente identificarão Cheney como principal articulador e animador da estratégia belicista dentro da administração e, no final, o grande conselheiro de guerra de Bush. De acordo com um detalhado relato publicado na última segunda-feira pelo Wall Street Journal, o vice-presidente usou de todos os meios ao seu alcance para sabotar a estratégia diplomática e produzir o desfecho que começará a se materializar nas próximas horas, quando as primeiras bombas caírem em Bagdá. O noticiário até 18/3/2003 Veja o especial :

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