'A inação virou a estratégia de Netanyahu e Abbas'
Para professor, morte de jovens expõe como Israel e Autoridade Palestina evitam atacar causas da violência
Entrevista com
Itzhak Galnoor, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém
Entrevista com
Itzhak Galnoor, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém
05 de julho de 2014 | 22h00
Os assassinatos de três jovens israelenses perto de Hebron e de um garoto árabe de Jerusalém Oriental, aparentemente em retaliação, têm uma causa profunda: a inação tornou-se a estratégia dos responsáveis por negociar a paz. É essa a lição que tira da tragédia o cientista político Itzhak Galnoor, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e pesquisador do Instituto Van Leer.
Segundo ele, tanto o israelense Binyamin “Bibi” Netanyahu quanto o palestino Mahmoud Abbas não querem os riscos de um acordo definitivo – e só um compromisso desse tipo seria capaz de atacar as causas da violência. A seguir, trechos da entrevista ao Estado.
Qual impacto político sobre o governo Netanyahu desse ciclo de violência que vimos na semana passada?
Em períodos como o que estamos vivendo há uma enorme pressão sobre o governo para “fazer alguma coisa” – e isso significa agir militarmente. Estou certo de que o primeiro-ministro e seu governo entendem que uma ofensiva militar pode ser boa no plano da vingança. No entanto, não é uma solução. Como vimos no passado, essa fórmula não funciona. Israelenses e palestinos vivem a repetir que “o outro lado só entende a língua do poder e da força”. Minha visão é oposta: se há uma língua que nenhum dos lados entende, é a do poder e da força. Nossa história foi marcada por ciclos de retaliação, nos quais cada um diz que está “reagindo” ao outro, até chegar num momento em que nenhum lembra onde começou o problema.
Objetivamente, o que isso significa para Netanyahu?
Ele não fará nada no curto prazo, a não ser tentar conter a opinião pública. Pode querer agir contra a Faixa de Gaza, por exemplo. Mas isso não é exercer liderança política. É apenas fazer um jogo psicológico para a massa. Ao mesmo tempo, há considerável pressão sobre o premiê – embora não dos setores da direita de sua coalizão – para que ele tome alguma atitude diante do fato de que a estagnação do processo de paz não é do interesse nacional de Israel.
De quem vem essa pressão? Dos centristas de seu gabinete, como Tzipi Livni, e de Yair Lapid, o ministro das Finanças?
Sobretudo desses dois, além de alguns mais moderados dentro de seu próprio partido (o Likud). E essa pressão vem de antes do assassinato dos três jovens israelenses, quando já estava abalada a percepção de que o tempo trabalha em favor de Israel e é possível manter as coisas paradas. Vários nomes da direita perceberam nos últimos anos que a segurança da Israel depende de um acordo de paz: Livni, (o ex-premiê Ehud) Olmert e, o mais importante de todos, Ariel Sharon, que decidiu deixar Gaza e se preparava para firmar um acordo de paz. Netanyahu, às vezes, parece inclinado a tentar romper a estagnação, mas a questão é como ele vai fazer isso. Há setores do governo que o puxam no sentido oposto dos centristas – anexação da Cisjordânia, mais assentamentos, etc. Recentemente, quando esteve pressionado pelos dois lados, escolheu ficar no meio. É um lugar que lhe agrada. Portanto, à luz do passado, minha única previsão é que, infelizmente, o governo israelense optará por ficar parado.
Netanyahu não quer um acordo, é isso?
Ele não deseja assumir um compromisso dessa magnitude, pois acredita que seu papel histórico na política israelense é manter as conquistas já alcançadas. Ele entende que, neste momento, Israel não pode achar uma solução ao conflito, mas é capaz de administrá-lo. “Administrar”, atente para esse termo, como se fosse um empreendimento. A decisão final que fique para as próximas gerações. É assim que pensa Netanyahu. E ele é muito habilidoso no marketing desse jogo, a ponto de convencer o governo americano, Livni e uma pessoa extremamente experiente: o ex-presidente Shimon Peres, que saiu dizendo que o premiê estava disposto a negociar de verdade.
Isso explicaria por que a iniciativa de paz do governo de Barack Obama, com o envolvimento pessoal do secretário de Estado, John Kerry, fracassou de vez há dois meses?
Nenhum dos dois lados estava disposto a assumir um compromisso, sobretudo os israelenses. O primeiro-ministro entrou na negociação porque ele estava sob pressão. Mas ninguém em Israel imaginava que Netanyahu enviaria Livni para fechar um acordo e ele diria depois: “Ótimo trabalho, Tzipi!”.
Do lado palestino, o sequestro dos jovens ocorreu pouco após Hamas e Fatah anunciarem um aguardado pacto de união. Como fica a situação de Abbas?
Ele sofre de um mal similar ao de Netanyahu: quer manter a negociação, sem ter capacidade nem vontade política de chegar a uma solução definitiva. Pode discutir a libertação de prisioneiros ou coisas pontuais, mas não os temas basilares. Se Israel entrar na negociação de modo mais sério, os palestinos serão confrontados com um teste real. Mas não é isso que ocorre e Israel, como a parte mais forte, deve tomar a iniciativa. Netanyahu inventou a precondição de que os palestinos devem reconhecer a natureza judaica do Estado de Israel, que não tem significado real. Os israelenses não precisam de alguém reafirmando isso a eles. Se os palestinos disserem que aceitam esses termos, Netanyahu encontrará outra precondição. Essas exigências não são sérias. Um ponto realmente central, por exemplo, é a questão da presença de tropas israelenses no Vale do Jordão. É esse tipo de tema que deve dominar um diálogo de paz verdadeiro.
Como as transformações no entorno de Israel afetam o processo de paz?
Vejo países como Arábia Saudita e Egito tão preocupados com a Síria e, agora, o Iraque, que uma negociação real sobre o conflito palestino-israelense certamente seria abraçada por eles. Ambos têm enormes interesses em comum com Israel, do jihadismo sunita ao Irã nuclear. Por isso, no médio prazo, é possível ver uma aproximação entre israelenses e setores moderados do bloco árabe, incluindo os palestinos. Mas o atual governo de Israel não tem essa visão.
Esse otimismo do sr. sobre a chamada “Primavera Árabe” é raro entre os israelenses.
Todos aqui dizem que não é uma “Primavera Árabe”, mas uma “Primavera Islâmica”. Eu não vejo desta forma. Não há dúvidas de que o mundo árabe passa por uma transformação, que pode ir em diversas direções. Não aceito a ideia de que países árabes não podem ser democráticos. Estamos vendo revoluções em sociedades tradicionais. Mas, no longo prazo, essas mudanças poderão ser favoráveis, especialmente a Israel.
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