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A irrelevância da eleição presidencial no Irã

Uma votação para um governo do tipo que hoje controla o país, na verdade, tende a legitimar um regime que priva os cidadãos do seu direito de decidir em que Estado viver

Por MAHMOOD DELKHASTEH e GLOBAL VIEWPOINT
Atualização:

A principal função das eleições é permitir o exercício da autoridade popular sobre o poder do Estado estabelecendo um governo que aplique medidas em favor da população. O Irã, contudo, está restrito a uma Constituição que determina que o "líder supremo" tem o poder sobre todas as divisões do Estado . Uma eleição para um governo desse tipo vai legitimar um regime que priva os cidadãos do seu direito de decidir em que Estado viver. De fato, o que parece ser uma "eleição" no Irã é apenas a carapaça de uma forma política. Em razão da disputa de poder entre interesses democráticos e ditatoriais, a Constituição foi reescrita de modo a sacramentar duas fontes concorrentes de legitimidade: o voto popular e a autoridade do líder supremo. Na época, a posição do líder supremo era preenchida pela liderança incontestável do aiatolá Ruhollah Khomeini. Finalmente, a tensão entre as duas fontes de autoridade levou Khomeini, no final de sua vida, a pender a balança do poder na direção do líder supremo, consolidando seu papel na Constituição. O líder supremo passou a ter poder absoluto. Logo após a morte de Khomeini, Akbar Hashemi Rafsanjani orquestrou a nomeação de Ali Khamenei como líder supremo, embora Khamenei não possuísse a mínima qualificação religiosa para tal. O plano de Rafsanjani teve como base a visão generalizada segundo a qual Khamenei, seu amigo de 30 anos, se revelaria incapaz, muito tímido e inseguro para decidir alguma coisa contrária à vontade de Rafsanjani. Na verdade, ele queria colocar Khamenei como figura de proa, como a rainha da Grã-Bretanha, retendo para si todos os poderes como presidente. Inicialmente, seu cálculo parecia correto. Durante sua presidência, Khamenei esteve quase completamente invisível e jamais ousou interferir nos assuntos do governo. Mas, embora os bajuladores em torno de Rafsanjani tentassem retratá-lo como o "general da reconstrução", oito anos de guerra devastadora com o Iraque e os índices de inflação superando os 50% mostravam uma realidade diferente. Durante esse período, a corrupção galopante fez com que ele se tornasse o homem mais rico do país. Por sua estratégia de assassinar seus oponentes, ele recebeu o apelido de "padrinho" (mafioso). Em 1997, Rafsanjani, Khamenei e vários outros membros do alto escalão foram condenados pelo assassinato de líderes curdos na Alemanha, em 1992. Isso impossibilitou Rafsanjani de emendar a Constituição para assumir um terceiro mandato e deu aos reformistas a chance de obter permissão do líder supremo para apresentar um candidato pouco conhecido, Mohamed Khatami, para disputar a presidência em 1997. O regime foi pego desprevenido e Khatami assumiu o governo. Encerrada a presidência de Khatami, por duas vezes Rafsanjani tentou um retorno ao cenário político. Primeiro em 1997, quando disputou a eleição legislativa em Teerã, pretendendo se tornar presidente do Parlamento. Na ocasião, ele foi forçado a se retirar diante da acirrada oposição dos reformistas e de acusações de fraude. A segunda tentativa foi em 2005, ao candidatar-se à presidência. Mais uma vez, os reformistas se opuseram com veemência, ao mesmo tempo em que, nos bastidores, Khamenei tramava para que seu candidato, um quase desconhecido, Mahmoud Ahmadinejad, vencesse. Na eleição de 2009, o regime precisava mostrar que tinha o apoio da sociedade e permitiu que dois reformistas, Mir Hussein Mousavi e Mehdi Karroubi, disputassem a eleição. Grande parte da população interpretou a medida como abertura política, mas a euforia acabou em comoção quando Ahmadinejad venceu. Os outros candidatos rejeitaram o resultado. E, mais importante, a psique da população mudou, dando nascimento ao Movimento Verde, que levou milhões de pessoas às ruas num ato de resistência. Um movimento submetido a uma repressão sangrenta. Khamenei decidiu que futuros presidentes terão de ser subservientes a ele - salvo Ahmadinejad, que se rebelou no segundo mandato - e ele deve fazer um expurgo dos reformistas e da facção sediciosa do atual presidente. Khamenei, porém, precisava de reformistas que participassem das eleições sem impor condições, pois se aceitasse tais condições sua imagem de homem forte seria prejudicada. Os reformistas abandonaram suas demandas e tentaram trazer de volta Khatami para disputar a presidência. Ele passou a ser atacado pelos partidários do líder supremo, que decidiram que ele não estava à altura. Rafsanjani decidiu disputar a eleição. Mas, após um encontro com Khamenei, declarou que o líder supremo tinha uma interpretação diferente da situação e não confiava nele, acrescentando que nada podia ser feito sem seu consentimento. Assim, todos imaginaram que ele desistiria da candidatura, mas, no último minuto, registrou seu nome no órgão eleitoral. Logo após a inscrição, grupos e personalidades do campo reformista, como Khatami, se precipitaram em apoio a Rafsanjani. A rejeição da Rafsanjani pelo Conselho dos Guardiães mostrou o erro de cálculo. Como explicar o ímpeto reformista em apoiar Rafsanjani? Na pressa para apoiar aquele que foi o arquiteto do desastre que vive o Irã, os reformistas ignoraram a história de Rafsanjani; seu papel na guerra que acabou em derrota, com 1 milhão de mortos e US$ 1 trilhão em prejuízos, e a corrupção que o tornou um dos homens mais ricos do país. O abandono das condições impostas pelos reformistas para participar da eleição e o apoio a Rafsanjani, sugerem que o objetivo deles é o poder. Nesse ponto, podemos ver por que o Movimento Verde não conseguiu atingir seus objetivos. Fracassou porque se deixou controlar por líderes reformistas que usaram a população em favor do seu jogo. Equipararam demandas por democracia que não podiam ser atendidas e acusaram aqueles que lutavam pela liberdade de serem idealistas. Assim, controlaram a política usando os mecanismos do temor e da esperança. Os jovens ficaram temerosos de se aventurar e com a vã esperança de poder exigir alguma coisa. Os reformistas recorrerão ao uso de qualquer falácia para fazer com que as pessoas acreditem que estão presas numa situação difícil, impedindo que seus seguidores os abandonem. Afinal, eles são seguidores de Khomeini que, certa vez, declarou: "É possível que, no passado, eu tenha afirmado alguma coisa. Mas hoje digo outra e amanhã direi algo diferente. Não tem sentido se ater fielmente às minhas palavras se, por acaso, afirmei alguma coisa antes". A jornada do Irã a caminho da liberdade só terminará quando ele der adeus aos reformistas que têm interesse em preservar o regime que sobrevive levando o país de uma crise a outra. O primeiro passo é boicotar a eleição. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO   * É COLUNISTA

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