A máquina

As contradições do aparato de propaganda do Estado Islâmico podem fazer sua estrutura e estatégia parecerem incoerentes. 

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Atualização:

O grupo exerce um controle extremamente rígido sobre a produção de seus vídeos e mensagens, mas baseia-se no caos da internet e mídias sociais para divulgá-los. Seus lançamentos se agrupam em torno de temas aparentemente incompatíveis: às vezes, retratando o califado como um domínio calmo e idílico, outras, como uma sociedade inundada de violência apocalíptica. 

As mensagem dúbias são concebidas para influenciar um público dividido. As decapitações, imolações e outros 'espetáculos' são empregados tanto para ameaçar os adversários ocidentais, como para apelar para homens e meninos muçulmanos marginalizados inclinados a darem um salto para a guerra islâmica.

Revista eletrônica do Estado Islâmico Dabiq Foto: Dabiq/AP

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A coleção criteriosa retrata o Estado Islâmico como um destino habitável, um estado benevolente empenhado em obras públicas. Vídeos exibem a construção de mercados públicos, uma sorridente polícia religiosa em patrulha de bairros e moradores pescando ou se divertindo nas margens do Eufrates.

Mesmo o conceito do califado tem um duplo aspecto. A ascensão do grupo terrorista é resultado, principalmente, de seu poder militar, demonstrado no território tangível que foi capturado. Mas uma quantidade notável de sua energia é dedicada à criação de umaversão idealizada de si mesmo online e o grupo vem moldando esse império virtual.

Esse projeto foi confiado a uma divisão de mídia que foi operacional bem antes do califado ser formalmente declarado em 2014. Autoridades de inteligência dos EUA disseram que eles têm pouco conhecimento sobre quem controla a estratégia de propaganda do Estado Islâmico, embora presume-se que seja Abu Muhammad al-Adnani, porta-voz principal do califado.

Essa ala tem contado com veteranos de equipes de mídia da Al-Qaeda, jovens recrutas fluentes em plataformas de mídia social e uma disciplina burocrática de regimes totalitários. Desertores e membros atuais dizem que os telefones e câmeras que eles trouxeram para a Síria foram apreendidos na chegada pelo Estado Islâmico para evitar que imagens não autorizadas e potencialmente pouco lisonjeiras caíssem na internet.

Apenas os membros de confiança da equipe são autorizados a transportar câmeras e, mesmo assim, seguindos diretrizes rígidas. Uma vez terminadas as gravações de um dia, elas são arquivadas em laptops, transferidas para cartões de memória e, em seguida, entregues aos sites designados.

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Em um enclave do EI perto de Alepo, a sede da divisão de mídia fica em uma casa de dois andares em um bairro residencial, explicaram desertores. O local é protegido por guardas armados e somente aqueles com permissão dos emirs regionais são autorizados a entrar.

Cada andar tem quatro quartos embalados com câmeras, computadores e outros equipamentos de alta definição, disse Abu Abdullah, de 37 anos, que fez visitas ocasionais ao local como um agente de segurança e logística. O acesso à internet é feito por um serviço wireless turco.

A casa serviu como um escritório editorial da Dabiq, a revista on-line do Estado Islâmico. Alguns dos membros da equipe também trabalharam para a Al-Furqan, ala principal de mídia do grupo terrorista, que apresenta a maioria dos vídeos e demonstrações empúblico.

No total, há mais de 100 agentes de mídia atribuídos à unidade, disse Abu Abdullah. "Alguns deles eram hackers, outros, engenheiros. "

Abu Abdullah não tinha nenhuma afiliação com o braço de mídia, mas muitas vezes ele fez o trabalho. Cerca ocasião, ele foi aproveitado para instalar um gerador na sede para que não ficasse sem funcionar ao faltar a eletricidade.

Publicação 'Dabiq' mostra também fotos da explosão do templo de Bel, em Palmira.Leia maisaqui Foto: Divulgação

Outra atribuição dele envolveu a recuperação de cadáveres nos locais de batalha, organizando-os para serem fotografados para vídeos de propaganda exaltando seu sacrifício. Ele teve de lavar o sangue seco, colocar os cantos da boca em sorrisos de mártires dos lutadores mortos e aumentar seus dedos indicadores em um gesto adoptado pelo Estado islâmico como um símbolo de sua causa.

Muitos jovens americanos conheceram o Estado Islâmico pelos vídeos dramáticos em que Mohammed Emwazi - um mascarado militante com um sotaque britânico conhecido como "Jihadi John" - empunhava a faca, cortando as gargantas de reféns ocidentais, incluindo os americanos James Foley e Steve Sotloff. 

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Os lançamentos mostraram o profissionalismo de iluminação, som e posicionamento da câmera. Alguns vídeos, incluindo um que mostra o decapitado americano Peter Kassig, parecem ter empregado efeitos especiais de software para impor digitalmente imagens de Kassig e seu assassino contra um pano de fundo dramático.

Esses esforços de produção eram reservados para vídeos destinados a audiências ocidentais em massa e foram dedicados explicitamente ao presidente Obama. Mas desertores disseram que eventos internos, ainda não destinados a uma audiência global, foram encenados.

Abu Abdullah disse ter testemunhado uma execução pública na cidade de Bab em que uma equipe de propaganda coordenou quase todos os detalhes. Eles trouxeram um quadro branco rabiscado com escrita árabe para que um funcionário encarregado de recitar supostos crimes do homem condenado fizesse de conta que lia. O carrasco encapuzado levantava e abaixava sua espada várias vezes para que as equipes pudessem filmar a lâmina de vários ângulos. A decapitação ocorreu somente quando o diretor da equipe de câmera disse que era hora de prosseguir.

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