A máscara do gigante

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Por Mario Vargas Llosa
Atualização:

Muito me entristeceu a derrota catastrófica do Brasil para a Alemanha na Copa do Mundo, mas confesso que não me surpreendeu. De uns tempos para cá, a famosa seleção canarinho se parece cada vez menos com a mítica seleção brasileira que deslumbrou minha juventude. Essa impressão se confirmou nas primeiras apresentações na Copa, nas quais o Brasil exibiu uma triste imagem, fazendo esforços desesperados para não ser o que foi no passado, mas jogar um futebol de fria eficiência à europeia. Nada funcionava bem. Havia algo forçado, artificial e antinatural nesse esforço, que se traduzia num rendimento apagado de toda a equipe, incluindo o de sua estrela máxima, Neymar. Os críticos esportivos cobriram de impropérios Luiz Felipe Scolari, o treinador brasileiro. No entanto, eu creio que a culpa de Scolari não é somente sua, mas, talvez, uma manifestação no âmbito esportivo de um fenômeno que, já há algum tempo, representa todo o Brasil: viver uma ficção brutalmente desmentida por uma realidade. Tudo nasce com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), que, segundo o mito universalmente aceito, deu um impulso decisivo para o desenvolvimento econômico do Brasil, despertando assim o gigante adormecido e encaminhando-o na direção das grandes potências. As formidáveis estatísticas que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística difundia eram aceitas por toda parte: de 49 milhões, os pobres foram reduzidos a apenas 16 milhões e a classe média aumentou de 66 milhões para 113 milhões. Não estranha que, com essas credenciais, Dilma Rousseff, companheira e discípula de Lula, vencesse as eleições com tanta facilidade. Agora que ela quer se reeleger e a verdade sobre a condição da economia parece substituir o mito, muitos a responsabilizam por esse declínio veloz e pedem o retorno do lulismo, o governo que semeou, com suas políticas mercantilistas e corruptas, as sementes da catástrofe. A verdade é que não houve nenhum milagre naqueles anos, e sim uma miragem que só agora começa a se desfazer, como ocorreu com o futebol brasileiro. O endividamento que financiava os dispendiosos programas sociais era, com frequência, uma cortina de fumaça para tráficos delituosos que levaram muitos ministros e altos funcionários daqueles anos (e os atuais) ao cárcere ou ao banco dos réus. As alianças mercantilistas entre governo e empresas privadas enriqueceram um bom número de funcionários e empresários, mas criaram um sistema tão infernalmente burocrático que incentivava a corrupção e foi desestimulando o investimento. De outro lado, o Estado embarcou, muitas vezes, em operações faraônicas e irresponsáveis, das quais os desembolsos feitos em razão da Copa do Mundo são um formidável exemplo. O governo brasileiro disse que não haveria dinheiro público nos US$ 13 bilhões que se investiu na Copa. Era mentira. O BNDES financiou quase todas as empresas que ganharam as obras de infraestrutura e todas elas subsidiaram o Partido dos Trabalhadores, atualmente no poder. Calcula-se que para cada dólar doado elas obtiveram entre US$ 15 e US$ 30 em contratos. As obras constituíam um caso flagrante de delírio messiânico e fantástica irresponsabilidade. Dos 12 estádios preparados, só eram necessários oito, segundo advertiu a própria Fifa. O planejamento foi tão precário que metade das reformas da infraestrutura urbana e de transportes teve de ser cancelada ou só será concluída depois do Mundial. Não é de se estranhar que o protesto popular diante semelhante desperdício, motivado por razões publicitárias e eleitorais, levou muitos milhões de brasileiros às ruas e abalou todo o Brasil. As cifras dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, sobre o futuro imediato do Brasil, são muito alarmantes. Para este ano, calcula-se que a economia crescerá apenas 1,5%, uma queda de meio ponto porcentual em relação aos últimos dois anos, nos quais o País só roçou os 2%. Alto risco. Apesar do panorama tão preocupante, o Estado continua crescendo de maneira imoderada - ele já gasta 40% do PIB - e multiplica os impostos. Apesar disso, segundo as pesquisas, Dilma Rousseff vencerá as eleições de outubro e continuará governando inspirada nas realizações e enganos de Lula. Se for assim, o povo brasileiro estará não só lavrando sua própria ruína como logo descobrirá que o mito em que está fundado o modelo brasileiro é uma ficção tão pouco séria como a da seleção de futebol que a Alemanha aniquilou. E descobrirá também que é muito mais difícil reconstruir um país do que destruí-lo. Em todos esses anos, primeiro com Lula, depois com Dilma, o Brasil viveu uma mentira que seus filhos e netos pagarão quando tiverem de começar a reedificar desde as raízes uma sociedade que aquelas políticas afundaram ainda mais no subdesenvolvimento. É verdade que o Brasil havia sido um gigante que começava a despertar nos anos em que foi governado por Fernando Henrique Cardoso, que organizou suas finanças, deu firmeza à moeda e assentou as bases de uma verdadeira democracia e genuína economia de mercado. No entanto, seus sucessores, em vez de perseverar e aprofundar as reformas, as foram desnaturando e devolvendo o País às velhas práticas. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK MARIO VARGAS LLOSA É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA

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