A mulher que quer ser a primeira muçulmana no Congresso dos Estados Unidos

Advogada, mãe, ativista, muçulmana: Tahira Amatul-Wadud enfrenta preconceito com ideias progressistas, trabalho comunitário e pouco orçamento

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SPRINGFIELD - É uma visão incomum: uma mulher coberta com um véu de cor salmão, parada no canteiro central de uma avenida de Massachusetts, acenando para os carros que passam e pedindo o voto de estranhos para ser eleita para o Congressos dos Estados Unidos. "Como você está? É bom te ver", diz Tahirah Amatul-Wadud, alegre, a um pedestre. Alguns dos carros buzinam e, de vez em quando, um motorista abaixa o vidro para cumprimentá-la. E muitos passam ao seu lado, aparentemente alheios a ela e ao seu objetivo.

Tahirah Amatul-Wadud, que concorre a uma vaga no Congresso americano, faz campanha nas ruas de Springfield, em Massachusetts. Foto: AFP PHOTO / TIMOTHY A. CLARY

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Tahirah tem 44 anos, sete filhos, é advogada, ativista comunitária, muçulmana. Ela se levanta antes do amanhecer, reza cinco vezes ao dia e jejua durante o Ramadã. Agora, enfrenta o maior desafio de sua vida: pedir a uma maioria de eleitores brancos e católicos que façam dela a primeira mulher muçulmana eleita para o Congresso dos EUA.

Para Tahirah, tudo gira em torno da política, e não da religião. Trata-se de representar e melhorar vidas no oeste de Massachusetts, uma área onde a taxa de desemprego é maior que a média nacional e muitos têm dois trabalhos para sobreviver. 

"Nem sempre falo de religião porque não estou buscando servir ou liderar a partir de uma perspectiva religiosa", disse ela, no prédio onde fica a sede de sua campanha, nos arredores de Springfield. Tahirah garante que suas metas são laicas, mas afirma que é na fé que encontra "o centro" de sua força.

Tahirah Amatul-Wadud quer ser a primeira mulher muçulmana no Congresso americano. Ela faz campanha em igrejas, churrascos e encontros comunitários. Foto: AFP PHOTO / TIMOTHY A. CLARY

Incansável, com um sorriso caloroso e o cérebro de advogada, a candidata faz parte da onda de mulheres democratas progressistas que tentam ser eleitas este ano. O objetivo é engrossar as filas de oposição ao presidente Donald Trump

E Tahirah é uma das cinco candidatas que tentam ser a primeira muçulmana no Congresso após as eleições de meio de mandato, em novembro, 12 anos depois que Keith Ellison, de Minnesota, se tornou o primeiro muçulmano na Câmara dos Deputados dos EUA.

Se for bem-sucedida, ela também será a primeira mulher afro-americana de seu distrito no Congresso. Mas a missão é difícil. 

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Seu adversário na primária democrata de 4 de setembro é Richard Neal, que atua no Congresso desde 1989. Tahirah arrecadou US$ 72 mil, contra os US$ 3 milhões de Neal. Quando ela se mudou para Springfield, aos nove anos, ele já era o prefeito da cidade.

Agora, Tahirah busca tomar o cargo, defendendo causas progressistas, como saúde e educação para todos e maior acesso à internet de alta velocidade, ao mesmo tempo em que evita receber doações por interesses corporativos. Sua equipe afirma ter cerca de 300 voluntários na campanha, que batem de porta em porta para ouvir os problemas das pessoas.

E caso ganhe, ela repetirá o triunfo da política novata de 28 anos Alexandria Ocasio-Cortez, que venceu um veterano democrata nas primárias em Nova York, também com propostas progressistas. A vitória de Alexandria deu a Tahirah incentivo à campanha e aumento nas doações. "Se ela conseguiu ganhar, então a esperança é possível aqui em nossa casa", explica.

De vestido florido sobre calças pretas e sapatos de plataforma, ela avança por uma tarde calorenta, trocando piadas e pedindo votos em um churrasco de igreja. "Ela parece se importar muito com sua comunidade. Você sabe onde ela cresceu. Acho que isso é bom", disse Ira Prude, empregado de uma fábrica, de 28 anos, preocupado com a dependência de opiáceos, falta de moradia e crimes violentos.

Tahirah Amatul-Wadud, que concorre nas primárias do Partido Democrata para as eleições de meio de mandato, faz campanha em um evento de igreja em Massachusetts. Foto: AFP PHOTO / TIMOTHY A. CLARY

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Quando Tahirah interrompe o piquenique, alguns a olham, surpresos. "Há momentos em que posso ver que as pessoas se surpreendem por eu me apresentar da forma que faço", disse ela. Apesar do aumento da intolerância a nível nacional, ela sofre com racismo e islamofobia apenas na internet e pediu a sua filha para deletar os comentários que considerou "infames" ou "assustadores". 

E embora sua decisão de concorrer ao Congresso seja motivada pelo descontentamento com o status quo de sua comunidade, ela admite que a eleição de Trump "mudou tudo". "Parte de sua política, parte de seu caráter é alarmante para as pessoas... Eu tenho amigos, vizinhos e clientes que me disseram que acordam sentindo que têm um elefante no peito", disse.

Deanna Williams, de 56 anos, se juntou à campanha de Tahirah depois de ser demitida. Tahirah foi sua advogada durante o divórcio. "É hora de mudar. O oeste de Massachusetts está sofrendo e precisamos de mais pessoas em Washington para ajudar na causa", disse. "Muitas pessoas estão sofrendo e não têm emprego."

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Na sede da campanha, Tahirah se declara "muito" confiante em vencer sua batalha de David e Golias contra Neal. / AFP

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