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''''A nova reforma de Chávez nos levará à ditadura''''

Por Ruth Costas
Atualização:

Mais do que um aliado, o ex-presidente da Assembléia Nacional venezuelana Luís Miquilena, de 88 anos, foi um grande amigo e um mentor do presidente Hugo Chávez. Ambos se conheceram em 1992, quando Chávez estava preso por uma tentativa de golpe de Estado. Miquilena - um ex-líder sindical conhecido por sua luta, nos anos 50, contra o ditador Marcos Pérez Jiménez - ajudou no sustento dos filhos de Chávez e, quando ele saiu da prisão, convidou-o para morar em sua casa. "Ele era bem diferente, costumava ouvir os outros ", conta Miquilena. "Ainda assim, foi difícil convencê-lo a não tentar outro golpe, mas ao final acabamos fundando juntos o partido que o levou à vitória nas eleições de 1998". No governo, Miquilena foi ministro do Interior. Depois, tornou-se presidente da Assembléia Constituinte, ajudando a redigir a Carta de 1999 antes de romper com Chávez definitivamente em 2002. Hoje, ele é implacável em relação à proposta de reforma constitucional apresentada pelo presidente em agosto: "Se aprovada, ela marcará a passagem definitiva para uma ditadura", diz. Abaixo, a entrevista concedida pelo ex-chavista ao Estado: Como o sr. conheceu Chávez? Quando Chávez estava preso, ele me ligou pedindo que eu o visitasse. Desde então, mantivemos uma relação muito estreita, quase fraternal. Chegamos a morar juntos por cerca de um ano antes que ele se casasse pela segunda vez e mesmo depois disso não nos separamos. Fui secretário-geral do partido que o levou ao poder (o MVR), depois ministro e, finalmente, presidente da Assembléia Constituinte que elaborou a nova Carta em 1999. Éramos dois amigos sonhando juntos um país sem corrupção ou pobreza. Ele era acessível, discutia e ouvia opiniões. Não tinha nada a ver com esse líder todo-poderoso, que tem apenas subalternos incondicionais. Não havia sinais de que ele seguiria pelo que o sr. chama de "caminho da intolerância"? Os sinais não eram claros. Quando ele foi eleito pela primeira vez, apoiou-se numa equipe com tradição em luta, na qual não podia mandar. Ele tinha de debater. Ainda assim, quando Chávez saiu da cadeia, foi difícil convencê-lo a não continuar pelo caminho da violência, tentando outro golpe. Tive de brigar para que ele aceitasse chegar ao poder pelas eleições. O sr. tem um passado de militância comunista. Diria que Chávez é um homem de esquerda? De jeito nenhum. Chávez saiu do Exército diretamente para um golpe de Estado. É um militar, não um socialista. São essas origens que fazem com que ele aposte numa corrida armamentista, comprando fuzis e caças e criando milícias para funcionarem como um exército paralelo. Não me lembro de vê-lo interessado por literatura marxista. Quando organizei sua primeira viagem para Cuba, Chávez estava distante das idéias de Fidel e da forma como ele exercia o poder na ilha. Até o condenava. O que é então o "socialismo do século 21" que ele defende? Nem ele sabe. Chávez não podia criar na Venezuela um regime ao estilo de Cuba ou da União Soviética porque não teria apoio internamente. Então fez uma miscelânea de socialismo, capitalismo e desse regime político sui generis que ele está criando e vendeu o resultado como "socialismo do século 21". A verdade é que muitos grupos e indivíduos estão enriquecendo na Venezuela e a corrupção se alastra, enquanto o povo continua pobre. Como o sr. rompeu com Chávez? Saí do governo quando percebi que já não estava em sintonia com o projeto do presidente. O poder corrompe aqueles que não estão preparados para exercê-lo. Foi o que aconteceu com Chávez. Ele foi sucumbindo à bajulação, tornando-se autoritário e prepotente. Logo vieram os ataques às liberdades civis, e os confrontos com a imprensa. Foram organizados grupos parecidos com as brigadas de choque do fascismo, cujo objetivo era atacar os adversários. Eu não concordava com o caráter autoritário que o governo estava assumindo e a falta de respeito à oposição. Qual sua opinião sobre a nova proposta de reforma constitucional? Ela viola um princípio básico da democracia: a alternância de poder. Chávez quer acabar com o limite das reeleições para perpetuar-se no cargo. Essa é de fato a única mudança que importa, porque na prática o presidente já tem ignorado a Constituição. A reforma seria o caminho para uma militarização e uma ditadura definitiva. Onde o presidente venezuelano quer chegar com "a integração bolivariana" na América Latina? Para Chávez, assumir uma liderança regional é essencial. Ele tem a seu favor o fato de que seu discurso de defensor dos pobres tem grande apelo na região, marcada por problemas sociais. No entanto, basta olhar para a Venezuela para perceber como é falsa essa mensagem. Chávez não conseguiu resolver o problema da pobreza mesmo com essa imensa oportunidade criada pelos altos preços do petróleo. Sua estratégia foi dar esmolas por meio do Estado, enquanto a fórmula de sucesso em outros países tem sido a criação de empregos e a abertura de negócios.

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