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A onda populista

Sucesso de partidos nacionalistas mostra que hostilidade a estrangeiros tem apelo eleitoral

Por The Economist
Atualização:

A onda populista está longe de perder o embalo. É essa a lição amarga a ser tirada das eleições realizadas recentemente na Alemanha e na Áustria, onde o sucesso dos partidos anti-imigração e antiglobalização mostra que a mensagem de hostilidade em relação a elites e estrangeiros ainda tem enorme apelo entre certos segmentos do eleitorado dos países desenvolvidos. 

Lixo se acumula diante de uma casa abandonada em bairro que um dia foi de classe média em Detroit Foto: REUTERS/Rebecca Cook

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Também é a lição que vem dos EUA, onde Donald Trump tem intensificado os acenos a sua irascível base eleitoral. Na terça-feira, o governo americano apresentou a representantes do México e do Canadá propostas que parecem ter por objetivo acabar de vez com o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), e não revisá-lo.

Os que mais sofrerão com o fim do Nafta serão os próprios trabalhadores de baixa renda que hoje apoiam Trump. Endurecer a legislação de imigração tampouco contribuirá para melhorar a situação econômica no leste da Alemanha, onde 20% dos eleitores votaram nos radicais de direita do Alternativa para a Alemanha. 

Mas a natureza contraproducente das políticas populistas não enfraquecerá seu apelo. Os partidos tradicionais precisam oferecer aos eleitores que sentem ter sido deixados para trás uma visão melhor de futuro, algo que leve mais em conta a realidade geográfica subjacente a seu ressentimento.

A teoria econômica diz que as desigualdades regionais diminuem à medida que lugares mais pobres (e baratos) atraem investimentos e passam a crescer em ritmo mais acelerado que localidades mais desenvolvidas. A experiência do século 20 comprova isso: tanto entre os Estados americanos, como entre as diversas regiões do continente europeu, as diferenças de renda diminuíram. 

Mais recentemente, porém, as coisas mudaram de figura. Os lugares mais ricos voltaram a se distanciar dos mais pobres. E essa divergência geográfica tem consequências dramáticas. Crianças nascidas entre os 20% mais pobres na florescente San Francisco têm duas vezes mais chances de figurar entre os 20% mais ricos da cidade, quando chegarem à vida adulta, do que crianças nascidas em condições semelhantes na depauperada Detroit. 

Meninos nascidos no bairro de Chelsea, em Londres, tendem a viver quase nove anos a mais do que os nascidos em Blackpool, no noroeste da Inglaterra. Para os que vivem no lugar errado, as oportunidades são limitadas, e isso tem efeitos negativos para a economia como um todo. Se, ao longo dos últimos 50 anos, todos os americanos tivessem vivido em lugares de alta produtividade, o PIB dos EUA teria crescido o dobro do que cresceu.

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A divergência geográfica é resultado de forças potentes. Na economia moderna, a escala é cada vez mais importante. As empresas que controlam os volumes mais impressionantes de dados podem treinar suas máquinas de maneira mais efetiva. A rede social que a maioria das pessoas usa é a que mais atrai novos usuários. A bolsa de valores em que atuam os investidores de bolsos mais fornidos é a melhor para se levantar capital. Esses retornos de escala criam um número menor de prodígios corporativos, que se reúnem em menor número de locais maravilhosos.

O pior é que o aumento nas disparidades regionais é acompanhado de imobilismo crescente entre as pessoas. O porcentual de americanos que anualmente se mudam de um Estado para outro caiu pela metade da década de 90 para cá. O americano típico é mais errante que a média dos europeus, mas vive a menos de 30 km de seus pais. O fenômeno é explicado por mudanças demográficas, entre as quais se incluem o aumento no número de famílias em que ambos os cônjuges trabalham e a necessidade de cuidar de parentes idosos. 

Mas as principais responsáveis são as políticas públicas. O aumento vertiginoso no custo da moradia em cidades prósperas impede que mais pessoas usufruam de seus benefícios. Nos EUA, a proliferação de licenças ocupacionais com validade apenas no Estado emissor, assim como a impossibilidade de transferir para outro Estado as contribuições sociais que um profissional realiza ao longo da vida, penaliza os que se mudam. A aposentadoria de um professor que passou a vida inteira no mesmo Estado chega a ser duas vezes maior do que a de um colega que no meio da carreira se mudou para outro Estado.

Políticas destinadas a amparar os mais pobres acabam tendo o efeito perverso de exacerbar a penúria das localidades que entram em declínio. Benefícios como seguro-desemprego e auxílio-doença permitem que as pessoas com menos condições de se empregar sobrevivam em lugares decadentes. 

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No passado, elas não tinham alternativa senão se mudar para locais onde pudessem arrumar um emprego. O Estado de bem-estar social torna o capitalismo menos brutal para os indivíduos, mas perpetua os problemas nos lugares onde eles vivem.

Como enfrentar esse tipo de dificuldade? Uma alternativa é ajudar as pessoas a se mudar para lugares melhores. Acelerar o reconhecimento de credenciais profissionais entre fronteiras estaduais ou mesmo nacionais estimularia as pessoas a ir para lugares onde poderiam ser mais produtivas. O problema é que o aumento da mobilidade também tem um efeito colateral perverso: retirar os trabalhadores talentosos de lugares moribundos contribui para agravar ainda mais seus problemas.

Para evitar esse desfecho, há muito tempo os políticos tentam auxiliar localidades decadentes com subsídios. Mas as consequências das “políticas de desenvolvimento regional” são, para dizer o mínimo, variáveis. A Carolina do Sul conseguiu atrair a instalação de uma fábrica da BMW em 1992. Com isso, criou um polo automotivo extremamente dinâmico. Mas os fundos estruturais da União Europeia (UE) só conseguem aumentar o PIB e reduzir o desemprego enquanto perduram os incentivos. A Califórnia tem 42 zonas de estímulo a empresas. Em nenhuma delas o emprego aumentou. Melhor seria se os políticos se preocupassem em acelerar a difusão da tecnologia e das práticas empresariais desenvolvidas em lugares de alta performance.

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Uma medida mais ousada seria expandir a missão das universidades locais. No século 19, os EUA criaram grande quantidade de instituições para oferecer cursos técnicos de nível superior. A ideia era aprimorar a formação de agricultores e gerentes industriais em cidades pequenas e áreas rurais. As instituições poderiam retomar esse papel, agora focando nas novas tecnologias. 

Os políticos poderiam aprender até com a Amazon, que, ao anunciar que estava em busca de um local para construir uma segunda sede, provocou verdadeira corrida entre algumas cidades, cada qual se esforçando para elaborar um projeto de políticas públicas que contribuísse para criar condições mais propícias para atrair a gigante de comércio eletrônico.

Acima de tudo, talvez, os políticos precisam adotar nova mentalidade. Até agora, os progressistas acreditavam que o combate à pobreza deveria ser feito com os instrumentos do Estado de bem-estar social. Os defensores do Estado mínimo, por sua vez, apostavam na liberalização da economia. Uns e outros estavam preocupados com as pessoas.  Mas a complexa inter-relação da demografia com os mecanismos de seguridade social e a globalização tornou isso insuficiente. Aplacar o ressentimento dos que foram deixados para trás no desenvolvimento recente significa reconhecer que os lugares onde as pessoas vivem também têm enorme importância.

© 2017 THE ECONOMIST  NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.