24 de março de 2011 | 00h00
Rachas ameaçaram a coalizão. China e Rússia aproveitaram-se para tirar o time de campo. Mesmo na Europa, a Noruega se afastou. E a Itália resmunga.
Mas no pequeno grupo que está no comando - França, Grã-Bretanha e Estados Unidos - também houve uma cacofonia. O pomo da discórdia era a cadeia de comando. Nos primeiros dias da missão militar, justamente, não havia um comando unificado.
Grã-Bretanha e Estados Unidos queriam confiar o trabalho à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a única estrutura capaz de coordenar uma ação tão complexa. A França não queria a Otan. Por quê? Porque a Otan "cheira a" Estados Unidos, e, sobretudo, isso ameaçaria esfriar os países árabes, daria argumentos a todos aqueles que, como a Rússia, se obstinariam em denunciar a operação como uma "cruzada" do mundo cristão contra o mundo árabe.
Esses argumentos brandidos pela França não eram desprovidos de fundamento e a Otan foi, de início, ignorada.
Mas o resultado foi que o verdadeiro cérebro das operações foram os Estados Unidos, inevitavelmente, por causa de seu poderio militar. Tudo foi coordenado desde a Alemanha e o Mediterrâneo pelos generais americanos. A França ofendeu-se. De sua parte, os Estados Unidos estavam exasperados de ver que a operação "humanitária" estava sendo apresentada como um triunfo pessoal de Sarkozy.
As tensões estavam tão vivas que foi preciso dialogar. Foi o que se fez, Obama e Sarkozy conversaram e o presidente francês teve de reconhecer que uma ação como essa não poderia, na falta de uma estrutura militar europeia, ser concebida e executada sem o apoio da Otan. Na terça-feira à noite foi acertado um acordo. Obama anunciou que o papel-chave no comando das operações militares na Líbia seria entregue à aliança atlântica.
Esse desfecho foi um revés para a diplomacia francesa, mas não se vê alguma outra solução que pudesse ser adotada.
Além de tudo, o argumento árabe inicialmente agitado por Paris é inoperante hoje porque, de todas as maneiras, a maioria dos povos árabes está insatisfeita com os primeiros ataques e prefere se manter afastada do caso, exceto alguns emirados petrolíferos que dificilmente seriam considerados representativos das massas árabes.
É numa circunstância como essa que se expõem as carências extraordinárias da União Europeia. A política de segurança e defesa do bloco europeu ou inexiste ou é incapaz de agir como um ator decisivo, e isso mesmo numa zona que está às margens da Europa, do Mediterrâneo, este "mar europeu" tão entranhado nos jogos diplomáticos, políticos, econômicos e militares do Velho Continente. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
É CORRESPONDENTE EM PARIS
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