
21 de abril de 2013 | 02h06
Houve um rumor reprovativo, mas, em geral, o público reagiu com uma soberba compostura britânica, se assim posso dizer. Só ao fim do ato, uma senhora nos recordou o cruel e inútil afundamento do Belgrano pela Marinha britânica durante a Guerra das Malvinas, em 1982.
Eu também passei quase todos os anos de Thatcher na Grã-Bretanha e o que ela fez também me marcou profundamente. Ela ainda está presente em coisas que eu creio e defendo e me fazem dizer que sou um liberal. Quando a Dama subiu ao poder, a Grã-Bretanha afundava na mediocridade e na decadência, deriva natural do estatismo, do intervencionismo e da socialização da vida econômica e política, embora, isto sim, guardando sempre as formas e respeitando as instituições e a liberdade, uma segunda natureza para a sociedade britânica.
Ela pôs em marcha um programa de reformas radicais que sacudiu dos pés à cabeça esse país adormecido por um socialismo antiquado e letárgico que havia desmobilizado e quase castrado o berço da democracia e da Revolução Industrial, a fonte mais fecunda da modernidade. Privatizando empresas, libertando os inquilinos cativos das casas municipais e convertendo-os em novos proprietários, abrindo mercados por toda a parte e as fronteiras do país ao comércio e aos investimentos, obrigando as empresas a competir, privando-as dos estupefacientes subsídios, atacando o rentismo e impulsionando a participação acionária generalizada e o capitalismo popular, seu governo devolveu ao gigante adormecido o dinamismo de seus melhores tempos e a seu país uma influência na esfera internacional que ele havia perdido por completo. Nos anos 80, a renda per capita britânica superou a da França.
Os sacrifícios foram certamente enormes, mas, sem as mudanças que eles significaram, a Grã-Bretanha estaria hoje muito pior do que está. Viver na mentira é sempre pior, nas ordens política e econômica, do que enfrentar a crua verdade.
Ao mesmo tempo em que desmontava o emaranhado burocrático e o estatismo parasitário, e os substituía por uma economia de mercado moderna, a primeira-ministra lançou uma ofensiva no campo das ideias e dos valores recordando a seus compatriotas - e aos europeus - que a cultura democrática e liberal não tinha de se intimidar ante o comunismo, como vinha ocorrendo, sobretudo, pela covardia e oportunismo das elites intelectuais, pois as credenciais dos Estados totalitários eram o fracasso econômico mais flagrante, o desaparecimento de todas as liberdades e os atropelos mais iníquos contra os direitos humanos.
Poucos políticos me produziram o respeito que senti pela Grande Dama, porque conheci poucos que, como ela, disseram sempre o que acreditavam e fizeram sempre o que diziam. Ela acreditava na liberdade, no indivíduo soberano, na ética calvinista do trabalho, na poupança, em valores morais como esteio das instituições e no escrupuloso respeito à lei. Era filha de um modesto dono de mercearia de Grantham e só pôde ter uma educação de alto nível graças a sua inteligência, disciplina espartana e esforço.
Um dos reveses mais dolorosos de sua vida deve ter sido a negativa de sua universidade, Oxford, de lhe conceder o honoris causa, como costumava fazer com todos os governantes egressos desse centro de estudos. Mas isso não a deve ter surpreendido, porque a classe intelectual sempre a odiou. Ela agora o demonstrou, indo cuspir sobre o seu cadáver, celebrando sua morte e vomitando injúrias e mentiras sobre sua gestão.
A primeira vez que a vi de perto foi rodeada por uma dezena de intelectuais na casa do historiador Hugh Thomas. Os filósofos, escritores, dramaturgos a submeteram durante o jantar a um exame severo e sutil, embora educado. O mais belicoso foi Tom Stoppard; o mais penetrante, Isaiah Berlin; o mais sibilino, A. Ayer. A Dama superou a prova com honras. Falou-se de Orwell, de Koestler e do Muro de Berlim, que Thatcher veria pela primeira vez ao vivo no dia seguinte, quando viajaria à Alemanha em visita oficial.
A segunda vez que estive com ela foi em Downing Street 10, escritório de primeira-ministra. Eu era candidato à presidência do Peru e lhe perguntei o que seria mais importante, se fosse eleito. Tenho muito viva a sua resposta: "Cerque-se de um grupo leal e resoluto, porque quando essas reformas estiverem em marcha e vier a reação inflamada, as piores traições serão antes as de seus partidários do que as de seus adversários". Suas palavras se revelaram proféticas: ela não foi destituída pela oposição, mas pelo próprio Partido Conservador, ao qual havia feito ganhar, pela primeira vez na história, três eleições seguidas.
Ainda a vi mais duas vezes, já fora do governo. A primeira, em Washington, em seu regresso do Chile, onde no meio de uma conferência sofrera um desmaio. Estava abatida; seu marido, em compensação, havia contraído na viagem um horror sagrado pelo Novo Continente e vociferava sem o menor pudor contra "os mexicanos", nos quais, assim me pareceu, englobava todos os latino-americanos sem exceção.
A última vez que a vi, ela estava animada, comunicativa e risonha. Eu havia acompanhado até sua casa um grupo de cubanos no exílio que queria convidá-la para dar uma conferência em Miami. Ela tomou três uísques e fez observações muito divertidas sobre o que ocorria na América Latina. Também fez brincadeiras. Levou-nos até a porta e, ao se despedir, levantou subitamente o punho com uma mocinha revolucionária e lançou uma palavra de ordem: "We must undermine Castro!" (Temos de enfraquecer Castro).
Como em seus últimos anos, sua desconfiança da União Europeia cresceu de maneira indevida e seu nacionalismo pareceu endurecer, e como, por outro lado, ela defendeu Pinochet pela ajuda que a ditadura chilena prestou à Grã-Bretanha durante a Guerra das Malvinas, sua imagem se deslustrou.
Não foram os únicos erros que cometeu, aliás. Seu liberalismo era, por vezes, contrabalançado por um conservadorismo que a levava a se contradizer e a tomar medidas que iam na contramão da abertura e da internacionalização do comércio, da política e da vida que seu governo impulsionou mais do que ninguém. Mas, fazendo-se um balanço do seu governo, o positivo é infinitamente mais importante que o negativo.
Graças a ela, o Partido Conservador deixou de ser aristocrático e se tornou multiclassista e meritocrático. Seu melhor discípulo não foi um conservador, mas Tony Blair, cujo Partido Trabalhista, em grande parte graças a ela, também se modernizou, optou pela terceira via e impregnou-se de saudáveis ideias liberais. Se não fosse por ela, a ditadura militar argentina continuaria talvez no poder, aumentando seu prontuário de crimes. A lista de suas realizações e sucesso cobriria muitas páginas.
Quando ela deixou o poder, vítima daquela perversa conspiração interna, eu lhe enviei um ramo de rosas vermelhas e um cartão. Agora, aqui, meio extraviado entre os picos nevados da Cordilheira e os vinhedos de Mendoza, não posso lhe enviar flores, apenas estas linhas apressadas de respeito e gratidão.
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