‘A pena de morte faz justiça quando condiz com o crime’

Punição determinada em casos como o do terrorista Dzhokhar Tsarnaev é adequada, avalia especialista

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Por Renata Tranches
Atualização:

A decisão da Justiça americana de condenar à morte o terrorista Dzhokhar Tsarnaev, coautor do atentado contra a Maratona de Boston em 2012, reacendeu os debates no país sobre o tema da pena capital. 

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O professor da New York Law School Robert Blecker é um dos poucos especialistas sobre pena de morte nos EUA que a defende publicamente. Polêmico, diz que nos países ocidentais que aboliram a pena de morte há uma incoerência e uma contradição com o que realmente quer a opinião pública. 

Na sua opinião, se a Grã-Bretanha decidir sair da União Europeia, uma das medidas a ser adotadas é a retomada da pena capital, que tem apoio de cerca de metade da população. Para ele, o método de execução pela injeção letal nos EUA está longe de ser uma punição e defende o pelotão de fuzilamento. "Se a Europa quer realmente agir como uma democracia, terá de restaurar a pena de morte", disse, em entrevista ao Estado.

Como o sr. definiria sua posição sobre pena de morte?

Essencialmente, sou um defensor da "justiça retributiva", que significa que sou favorável a essa punição nos casos em que ela é merecida. A essência da justiça é que a punição seja proporcional ao crime. Da minha perspectiva, a questão correta não é o que vamos fazer. O passado conta. E conta independentemente dos reflexos que ele terá para o condenado. A questão errada a se fazer sobre pena de morte são as relacionadas à detenção, custos, até mesmo a incapacidade de garantir a segurança dos cidadãos no futuro.

Como assim?

A Suprema Corte dos EUA tem dito, incorretamente, que a incapacidade de garantir essa segurança não pode ser uma justificativa para a pena de morte. Diz que temos a habilidade e a obrigação de construir prisões para que possamos nos manter seguros desses indivíduos sem ter de matá-los. Na minha visão, você não pode justificar a pena de morte constitucionalmente pelo fato de que o agressor não atacará novamente. A detenção não fornece, na minha visão, uma alternativa adequada para a pena de morte. Estou convencido de que a pena de morte pode ter um efeito de valor muito maior do que a detenção, que é a retaliação. Não estou dizendo que deveríamos executar em todos os casos, mas sim naqueles que merecem. Essa é a única justificativa: justiça. Algumas pessoas cometem alguns crimes hediondos, com uma atitude desprezível, eles merecem morrer e a vida na prisão não é um substituto adequado. Eu me baseio em milhares de horas de entrevistas feitas dentro de prisões, todas documentadas. Isso é parte de um fenômeno profundo. 

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Como seria esse fenômeno?

No meu livro The Death of Punishment (A morte da punição, na tradução livre), falo sobre a morte da punição e não a 'punição com a morte'. Talvez seja irônico, mas dentro das prisões nos EUA não é função de ninguém punir. Se você observar o comunicado interno do Departamento de Correções você não encontrará a palavra punição. Em nenhum comunicado, em nenhum departamento de correção nos EUA, você encontrará a palavra punição ou outro sinônimo. Quando você entrevista os oficiais e pergunta qual sua missão, eles te dirão a mesma resposta: segurança. Queremos manter as pessoas seguras desses caras, os funcionários da prisão protegidos deles e até os presos seguros deles mesmo. Quando se pergunta: você sabe o que eles fizeram? A resposta é: eu não ligo para que o ele fez. Minha única preocupação é como ele  se comporta aqui dentro da prisão. Portanto, nós anunciamos que a punição deveria ser condizente com o crime. A morte é justiça quando condiz com o crime, ainda mais com a maneira como administramos nossas prisões. Nós rompemos com a punição do crime e o ignoramos completamente.

No Brasil, não temos a pena de morte. Mas as condições das cadeias são péssimas. Como é nos EUA?

Nos EUA, temos níveis de segurança, prisões de nível segurança máxima, média e mínima. Mas isso não tem a ver com o crime que foi cometido, mas sim com o perigo futuro que o prisioneiro impõe. Para pessoas como eu que defendem a justiça retributiva essa  estrutura das prisões é errada. Em outras palavras, nós misturamos pessoas que cometeram qualquer roubo, mas não machucou ninguém e acaba pegando várias sentenças e voltando para a prisão, com pessoas que cometeram assassinatos e estupros. Na verdade, as pessoas que vão passar o resto da vida na prisão acabam tendo um padrão de vida melhor. Eles sabem como ter acesso a contrabando quando precisam, enfim, sofrem muito menos do que pessoas que cometeram crimes de menor gravidade.

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Como seria o ideal?

O que tenho defendido é que aqueles que cometeram crimes menores deveriam ter uma experiência na prisão que os ajude em sua reabilitação, um treinamento profissional e valores para que ele possa deixar a prisão como um membro produtivo na sociedade. Na verdade, nós o punimos em excesso nos EUA. Um relatório recente do ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis) diz que mais de 3,1 mil pessoas foram condenadas à prisão perpétua sem possibilidade de recorrer por ter cometido crimes não violentos. Isso é terrível. Nós não devemos punir em exagero, assim como devemos aplicar a sentença que melhor condiz com o crime. Para entender meu posicionamento sobre a pena de morte é preciso ver sobre esse grande número de casos que não estamos diferenciando da maneira correta. Por um lado, nós não temos a punição adequada para o pior dos criminosos. Por outro, estamos punindo com exagero aqueles que oferecem menor ameaça.

O que justifica o fato de que em alguns países onde a pena de morte foi abolida haver um grande apoio à volta da punição, como na Grã-Bretanha?

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Apenas na última pesquisa de opinião, pouco menos da metade da população demonstrou apoio à pena de morte, mas por três décadas ela foi superior a 50%. É um debate contínuo no mundo. Meu argumento é como os EUA são o único país civilizado a aplicar a pena de morte? Somos a única democracia do Ocidente que prevê a pena de morte. Bem, o fato é que os EUA são a única democracia ocidental que está agindo como uma democracia ocidental, porque cada país europeu que teve, mas aboliu a pena de morte, com exceção da Irlanda, tem uma maioria em apoio à pena capital. Isso é no mínimo ditar às pessoas o que uma política de justiça criminal deve ser. 

Pode explicar um pouco sobre os outros países?

A Alemanha é um exemplo interessante. Quando a Alemanha aboliu a pena de morte, o primeiro país europeu a fazer isso após a guerra, a história que ficou é que a opinião pública alemã estava tão enojada sobre o que foi feito em nome dos nazistas que ela agiu para abolir a pena de morte. Mas essa não é a história completa. A abolição da pena de morte no pós-guerra na Alemanha foi um esforço combinado, mas não por quem se opunha a ela e sim por pró-nazistas que queriam proteger os criminosos do nazismo. Por isso eles se mobilizaram para defender o fim da pena de morte no país.

O que aconteceria se a Grã-Bretanha saísse da União Europeia?

Hoje em dia as pesquisas de opinião, por exemplo, na República Checa, mostram 60% de apoio à pena de morte, o mesmo número na Polônia, 80% no Canadá, isso após décadas de abolição da pena de morte. Se a Grã-Bretanha deixar a UE, haverá a restituição da pena de morte. Se a UE se separar, você pode ter certeza de que verá a reinstituição da pena de morte na República Checa, na Polônia e na Hungria. Os EUA não estão isolados, ao menos não em termos de opinião pública. Isso tem sido imposto do topo. Se a Europa quer realmente agir como uma democracia ou uma coleção de democracias, terá de restaurar a pena de morte.

O sr. diria que há uma incoerência entre o que a opinião pública quer e o que fazem seus governos?

Sim, com certeza. Há uma incoerência entre a opinião pública as políticas públicas, quando falamos sobre pena de morte.

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Como separar o debate da propaganda política?

Isso explica grande parte da resposta relacionada ao tema e é muito infeliz que a pena de morte tenha se tornado uma associação com a extrema direita. Isso é muito ruim. O debate tem se tornado politizado. Na verdade, há um grande apoio público para a pena de morte, em todo o espectro político. Mas a extrema direita está tentando capitalizar isso, capitalizando a opinião pública. Os líderes que estão em controle se opõem à pena de morte e a extrema direita a vê como uma questão muito boa para fazer oposição. E são espertos em fazer isso.

E os casos em que a pena de morte também tem sido usada como objeto de repressão e abuso?

A pena de morte tem sido objeto de um tremendo abuso. Ninguém nega isso. Pode ser uma ferramenta de política de repressão. São mortes políticas sob a cobertura da lei. Mas não é justo argumentar que um potencial abuso de poder contra o uso legítimo de poder. Temos um histórico de usar a pena de morte como instrumento de opressão. Está em nossa história e não pode ser ignorado. Mas é também um instrumento muito importante de justiça. Pode ser um instrumento de racismo, de opressão, mas também de Justiça. Estou falando especificamente sobre a história dos EUA antes do movimento pelos direitos civis. Em um ponto, havia códigos legais separados para negros e brancos e a pena de morte foi usada como instrumento de opressão, especialmente para homens que estupravam mulheres brancas. Foi horrível, mas isso não existe mais hoje. 

Mas há os casos em que a Justiça erra. Como explicar o fato de tantas pessoas nos EUA serem inocentadas, por exames de DNA, após anos no corredor da morte?

Há uma certa ironia nessa questão. Em razão das condenações à pena de morte, nós temos descoberto em um grau muito maior que pessoas têm sido condenadas erroneamente. Mas muito mais pessoas tem sido mandadas para a prisão perpétua e ninguém quer saber se elas são inocentes. Na verdade, uma das grandes ironias sobre a pena de morte é o fato de ela aumentar as chances de revermos os casos daquelas poucas pessoas que foram erroneamente condenadas. É muito mais provável que, se você for inocente, mas condenado por assassinato, que seja inocentado se for condenado à morte. A defesa é mais efetiva e as apelações muito mais cuidadosas. As pessoas se preocupam e investigam mais cuidadosamente. A corte de apelação irá olhar com mais cuidado, há mais níveis para garantir as apelações e advogados melhores serão fornecidos se você for pobre. A grande ironia é, se você realmente se preocupar em não punir um inocente, acontece menos em casos de pena de morte do que prisão perpétua.

A injeção letal está em xeque após as execuções desastrosas no Estado de Oklahoma. O que o sr. acha dessa polêmica?

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Oklahoma acabou de adotar o gás nitrogênio como uma metodo alternativo se a Suprema Corte considerar que a injeção letal um método inconstitucional. Mas é irônico que o segundo método seja até mais brando do que o primeiro. Se a Suprema Corte decidir contra Oklahoma, o Estado já tem um segundo plano para poder continuar com suas execuções. Eu recentemente fui ao meu dentista e pedi para experimentá-lo, porque eu já sabia da discussão em Oklahoma. No dentista é a mesma coisa, só muda a dosagem e você pode escolher qual o sabor da máscara que prefere: 'morango safado', 'pêssego pérola', 'menta intenso' ou, o meu favorito, 'laranja fora da lei'. Enfim, eu experimentei o gás e dá um barato maravilhoso, você fica flutuando, não se importa com nada. É sério, você simplesmente apaga. É um jeito maravilhoso de morrer. Quer dizer, eu não quero morrer agora, mas se eu puder escolher um jeito, esse é o jeito. Mas para mim, isso é horrível, é errado e, de jeito nenhum, é uma punição.

Por que o sr. é contra a injeção letal?

Críticos têm atacado o método das injeções, ao qual eu também me oponho. Sempre fui contra esse método publicamente por décadas. Sou uma das poucas vozes contra ele e sempre vou ser por uma única e simples razão: não porque ele não causa dor, mas certamente porque causa confusão. É uma punição anestesiada. Você não pode dizer a diferença entre punição e medicamento. Como detalho em meu livro, eu testemunhei uma execução. Depois, quando meu sogro estava morrendo de uma câncer incurável e doloroso, eu estava com ele em um hospital. Para aliviar sua dor intensa, eles deram a ele uma dose letal de analgésicos. A cena final foi tão similar à execução que eu testemunhei que achei bizarro. Em ambos os casos, eles foram enrolados em um lençol branco, deitados em uma maca, com uma intravenosa em seus braços, rodeados por pessoas queridas e assistidos por médicos. Como executamos pessoas que nós abominamos pelos seus crimes mais horríveis da mesma maneira que eliminamos a dor das pessoas que amamos? E agora Oklahoma irá ainda mais longe, com o gás nitrogênio. É ainda pior do que a injeção.

E quais, entre os métodos legalizados nos EUA o sr. defende?

Provavelmente, o pelotão de fuzilamento.

Existe um Estado que aplica esse método?

Sim, Utah prevê o pelotão em dois casos. Eles costumavam ter o pelotão como o primeiro método de execução. Quando uma pessoa que tivesse cometido assassinato e fosse condenada ela tinha o direito de escolher. Agora, os legisladores trouxeram isso de volta como um método secundário. Se a Suprema Corte derrubar a injeção letal, Utah voltará imediatamente ao pelotão de fuzilamento. Já está aprovado. Oklahoma deveria ter feito isso, em vez de aprovar o gás nitrogênio, com seus sabores. Não sei se eles darão a escolha de sabores das máscaras aos prisioneiros, mas porque não? Se você quer fazer esse processo mais prazerosa possível, tornar a morte a mais prazerosa possível, então faça direito. Obviamente, eu não apoio isso.

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