A política do obsceno

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Por Gilles Lapouge
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Há meses que o dão como morto, mas ele continua desfilando. Desta vez, porém, a debandada parece próxima. As centenas de milhares de mulheres que no domingo gritaram sua repugnância pareciam acompanhar uma descida aos abismos. Que esse golpe lhe seja infligido pelas mulheres é ao mesmo tempo lógico e cruel. Foi como grande sedutor que Silvio Berlusconi construiu seus dois impérios, econômico, primeiro; político, em seguida. Com seus modos de cantor fora de moda, com seus sorrisos falsos, suas gabarolices fálicas, o bufão continua persuadido de que nenhuma mulher consegue lhe resistir. As mulheres furibundas de domingo disseram o contrário: "Abaixe as patas, velho tolo!" Foi a última façanha sexual de Berlusconi que fez transbordar o copo: o surgimento, no centro da vida política italiana, da marroquina Zahia Dehar, a "Ruby", que não tinha 18 anos quando frequentou as orgias de Berlusconi na sua villa da Sardenha. Essa "ligação perigosa" valeu a Berlusconi ser acusado pelo Ministério Público de Milão de "prostituição de menor". É preciso dizer que a raposa velha agravou seu caso porque, alguns dias após a festa sarda, Ruby foi presa por roubo e Berlusconi, irresponsável, ordenou à polícia de Milão que a soltasse, mentindo que a garota era sobrinha de um político importante. Qual político? O egípcio Hosni Mubarak, aquele mesmo que seria deposto pelas ruas egípcias algumas semanas depois. Dupla falta, portanto: pressão sobre a polícia e mentira grotesca. O que faziam naquelas festas sardas? Oh, meu Deus, faziam "bunga-bunga"? O que é "bunga-bunga"? Os maiores "erotólogos" foram consultados. Nenhum conhecia essa figura. O Kama Sutra a ignora. Talvez essa seja a única e miserável glória do presidente do Conselho: ter criado a "bunga-bunga". Sobre a ornamentação das festas estamos mais informados. A Villa Certosa, por exemplo. As decorações são as mesmas lantejoulas escorrendo mau gosto das boates ou dos cenários da televisão italiana (Berlusconi possui três canais de TV nos quais há anos se sacodem garotas de seios siliconados, nádegas rechonchudas e lábios carnudos). Mais vulgar ainda, dizem as senhoritas que ali passaram uma noite remunerada com entre 5 mil e 7 mil, aquilo parece o rancho de Michael Jackson, Neverland: vastas camas redondas, grutas onde escorrem cascatas, estátuas coloridas, piscinas e hidromassagens, luzes estroboscópicas. Coloque-se no meio dessa pacotilha uma porção de garotas estouvadas e pouco vestidas, e pergunte-se se isso é um filme da Disney ou um mau filme pornô. Essas decorações estúpidas e suntuosas descrevem a alma do presidente do Conselho italiano: uma criança obsessiva. Um Peter Pan fálico. Hipnotizados durante longo tempo pelo "Cavaliere", os jornais acordaram. Eles começaram a compreender que, apesar de os escândalos sexuais do chefe serem simplesmente dignos de pena, eles não deixam de causar efeito sobre o papel e a posição da Itália. Sob o comando desse homem em via de regressão à infância, o belo país desce uma ladeira assustadora. Como esse homem moral e fisicamente gasto, entregue às noites em claro, arrastando-se atrás dos corpos das garotas, poderia governar um grande país? De fato, tudo se desconjunta como se desconjunta o corpo brilhoso do velho bode: corrupção vergonhosa, administração emperrada, conluio com a máfia e no coração de Berlusconi, abusos sexuais de menores, polícia humilhada por um premiê sem vergonha, é um país em queda dirigido por esse homem tão indigno quanto os imperadores romanos da decadência, ainda que falte a Berlusconi seus gênios sombrios e sanguinários. Berlusconi é um homem do passado: "Ele se coloca no diapasão de uma Itália ridícula, cada vez mais minoritária, a Itália nostálgica dos bordeis, que se acredita valorosa porque exibe escalpos femininos", diz Francisco Merlo no jornal Repubblica. O palhaço erra em todas suas entradas. Basta olhar para compreender que esse homem de 74 anos começou seu inverno e seu declínio. Seu rosto não é mais vigoroso: revestido de cremes e géis, a pele esticada, o rosto de cera de Berlusconi, liso e lustroso, é o rosto de um embalsamado. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIKÉ CORRESPONDENTE EM PARIS

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