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A primavera perde as cores

A Primavera Árabe, que há três anos parecia prenunciar que todo o norte da África finalmente se livraria das tiranias que oprimiam Egito, Tunísia e Líbia talvez até venha a morrer. Na época, a Líbia derrubou o amigo de Nicolas Sarkozy, o sinistro coronel Muamar Kadafi. O Egito expulsou do poder o general Hosni Mubarak e a Tunísia destronou outro aliado da França, Zine al-Abidine Ben Ali, homem sem honra. Era a Primavera Árabe. Uma aurora. Três anos mais tarde, só há trevas. No Egito, os arremedos de democratas que derrubaram o militar Mubarak foram obrigados a fazer uma segunda revolução, porque os islamistas da Irmandade Muçulmana se infiltraram no poder. Amarga ironia: para rechaçar o perigo islâmico, eles foram obrigados a entregar novamente as chaves do país aos mesmos militares dos quais quiseram se livrar abatendo Mubarak. Na Líbia, ao regime implacável e farsesco do coronel Kadafi sucedeu a anarquia. O país se fragmentou entre ideologias - democracia, islamismo, fascismo, militarismo, etc - e tribos, pois o poder central encolhera. Evidentemente, os islamistas se aproveitaram desse formidável caos. Restava a Tunísia. O país tinha uma vantagem: é evoluído, culto, moderado. No final da ocupação francesa, em 1956, teve como primeiro dirigente um homem notável, Habib Bourguiba, que implantou uma bela democracia. Em seguida, infelizmente, foi a vez de Ben Ali, sempre sustentado pelos governos franceses, principalmente perto do seu fim. Esperava-se que a sabedoria prevalecesse. Sem dúvida, o novo regime estava nas mãos dos islamistas do Ennahda, com o presidente Moncef Marzouki. No entanto, o partido, embora muito próximo da Irmandade Muçulmana, procurou fundar um regime islâmico moderado e compatível com certos princípios da democracia (é claro que não todos, porque não conseguiu repudiar a terrível sharia, a lei islâmica). Não importa. Na época, o poder tunisiano conseguiu se dotar de uma Constituição, o que é um passo importante rumo à democracia. No entanto, alguns disparos acabam de ensanguentar esse quadro. O deputado da oposição de esquerda, Mohamed Brahmi, foi assassinado na frente de sua casa por indivíduos em motocicletas. Imediatamente, o país se inflamou. Houve manifestações e foi decretada uma greve geral. Para o povo tunisiano, profundamente ferido, o culpado pelo crime está claramente definido: é o poder atual, são os islamistas do Ennahda. A família do deputado assassinado declarou: "Nós acusamos o Ennahda". Nas passeatas, as pessoas gritavam: "A Tunísia é livre. Desocupem, irmãos muçulmanos!" Em várias cidades, sedes do Ennahda foram saqueadas. O partido recusa-se a endossar esse erro. O poder reitera que não tem nada a ver com essa abominação. E, sem dúvida, é verdade, porque está bem claro que o crime não beneficia o frágil governo atual. Portanto, podemos supor que o assassinato do deputado de esquerda Mohamed Brahmi pretendia atingir tanto o governo islamista moderado do Ennhada quanto a esquerda tunisiana. Muito provavelmente, o crime foi encomendado e executado por extremistas que não aceitam as iniciativas razoáveis do Ennhada. Ou, talvez, tenha sido cometido por membros do Ennahda que se sentem traídos pelas concessões feitas à democracia pela facção moderada do partido, atualmente no controle. Quaisquer que sejam os responsáveis, o resultado é idêntico: a Tunísia, o país mais equilibrado do Magreb, ao lado do Marrocos, está sendo dominada pela violência no momento em que parecia ter se livrado dela.

Por GILLES LAPOUGE
Atualização:

Lembrando que, não muito longe dali, no Egito, há outro jogo em andamento com as mesmas apostas e os mesmos atores (islamistas, democratas e militares). Concordaremos que a Primavera Árabe que explode em pleno verão tem as cores de um sombrio outono.

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

* GILLES LAPOUGE É CORRESPONDENTE EM PARIS.

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