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A rebelde venezuelana

Quando María Corina Machado chegou à Assembleia Nacional, na semana passada, a expectativa era grande. Afinal, sua pátria estava em brasa viva, com centenas de milhares de manifestantes nas ruas contra o governo de Nicolás Maduro, outro tanto contra estes opositores e a maioria na fila do supermercado.

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Por Mac Margolis
Atualização:

Enquanto ardia o país da deputada venezuelana, o governo brasileiro seguia à risca a nova diplomacia protocolar latino-americana. Solidarizou-se em viva voz com o mandatário em apuros. Já ante a repressão truculenta dos manifestantes pelo governo Maduro, que já matou 39 pessoas e enviou centenas aos hospitais, o Planalto guardou silêncio tumular.

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É esse silêncio que hoje mobiliza María Corina. Com o carismático líder oposicionista Leopoldo López na cadeia e o moderado governador Henrique Capriles longe das ruas, hoje ela é o rosto mais reconhecido do levante popular contra o governo bolivariano. Tornou-se embaixadora da causa e veio ao Brasil para encerrar um giro internacional. Sua pauta inicial era alertar sobre o perigo que ronda a região na conflagração bolivariana.

A caminho, viu seu mandato de deputada anulado, não por sentença judicial, voto na Assembleia Nacional, nem incapacidade física, conforme contempla a Constituição que Hugo Chávez firmou. Foi por canetada, que ao lado das bombas de gás lacrimogêneo made in Brazil é a ferramenta mais eloquente do acossado poder bolivariano. Quem assinou a ordem foi o presidente da Casa, Diosdado Cabello, o mesmo que presidiu, impávido, a sessão no ano passado em que seguranças chavistas agrediram 17 legisladores, quebrando o nariz de María Corina.

Tudo sem palavra alguma de Brasília, nem naquela ocasião, tampouco agora. Não foi diferente na Organização dos Estados Americanos, instância máxima da diplomacia na região, onde, no mês passado, a maioria das nações patrocinaram uma molecagem com perfume de democracia. Votaram para deixar María Corina falar à cúpula das nações, mas fecharam as portas para que ninguém mais a ouvisse. Com um sim do Brasil.

Como entender a posição brasileira? No saguão do hotel em São Paulo, rodeada de assessores, María Corina Machado abre um sorriso franco e fita o interlocutor com olhar desconcertante. “É muito difícil entender esse silêncio. A indiferença é consentimento.”

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São os laços econômicos que compram a vista grossa do vizinho? “A Venezuela é um governo que sequer honra as dívidas com seus próprios fornecedores e sócios”, afirmou. “As empresas internacionais não podem repatriar seus dólares. As regras mudam. O mercado deixou de crescer.”

Sobram, então, questões políticas. Ou, como prefere María Corina, “algumas afinidades ideológicas”. Aí, ela não esconde seu espanto. Chegou ao Brasil em meio à reflexão nacional sobre os 50 anos do golpe. “A própria Dilma foi vítima dos atropelos da ditadura. Ela foi perseguida e torturada. Ela, que é mulher e mãe, teria de sentir a dor das mães venezuelanas”, acrescentou.

María Corina não teve audiência com a presidente Dilma e não foi recebida pelo Itamaraty. Cafezinho e conversa, só com congressistas, que a saudaram no Plenário como heroína da pátria. Um pequeno grupo de contrariados até que tentou marcar presença, com uma bandeira solitária com os dizeres “Fora Corina, golpista!”. No entanto, foram expulsos pela segurança da Casa e o desagravo bolivariano morreu de inanição. Pelo menos em solo alheio.

Enquanto escrevia este artigo, a mais tenaz oposicionista venezuelana embarcava para casa sem saber se iria para os braços do povo ou para a cadeia. Mais uma baixa do labirinto bolivariano.

 

É COLUNISTA DO 'ESTADO' E CHEFE DA SUCURSAL BRASILEIRA DO PORTAL DE NOTÍCIAS VOCATIV

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