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A reforma era importante para Colômbia

Projeto de lei sobre impostos, malvisto pela população e inviabilizado por protestos, seria o legado de Iván Duque

Por Economist
Atualização:

Desde 28 de abril, manifestantes desafiam o toque de recolher às 20 horas, e o risco de serem infectados pela covid-19, para tomar as ruas de Bogotá, capital da Colômbia. Eles queimaram ônibus e delegacias de polícia, saquearam bancos e lojas. Também bloquearam todas as principais estradas que levam a Cali, a terceira maior cidade do país, por vários dias, resultando em prateleiras vazias nos supermercados e na falta de remédios nos hospitais. Pelo menos 24 pessoas morreram e mais de 800 civis e policiais ficaram feridos. No dia 1.º, o presidente Iván Duque enviou o Exército para conter a violência.

Os protestos foram desencadeados por uma reforma tributária que o governo enviou ao Congresso em 15 de abril. No dia 2, Duque desistiu do projeto impopular. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, renunciou. No entanto, o ressentimento contra o presidente, cujo índice de aprovação é de 33%, significa que o conflito deve continuar.

Na Colômbia, proposta de reforma tributária gerou revolta na população. Foto: Pablo Rodríguez/EFE

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A reforma de Duque era extremamente necessária. Por causa da pandemia, o déficit da Colômbia triplicou para quase 8% do PIB. A reforma teria removido muitas isenções de imposto de valor agregado e reduzido o limite para o início do pagamento do imposto de renda. As receitas de imposto de renda na Colômbia estão entre as mais baixas como proporção do PIB entre os países da OCDE, um clube de países ricos.

As aposentadorias também seriam tributadas. As despesas com programas sociais teriam aumentado, beneficiando potencialmente 19 milhões de pessoas. Carrasquilla afirma que o projeto de lei poderia ter reduzido a parcela de colombianos extremamente pobres (que ganham menos de 145 mil pesos por mês, ou US$ 38) em seis pontos porcentuais.

A maioria dos colombianos, porém, considerou isso injusto. Um dos mais longos lockdowns do mundo esvaziou carteiras e enfraqueceu a confiança. No ano passado, 2,8 milhões de pessoas caíram na pobreza extrema. Mais de 500 mil empresas fecharam. Mesmo que os aumentos de impostos atingissem os mais ricos, 80% das pessoas pesquisadas opuseram-se ao projeto.

A reforma tributária não era a única queixa dos manifestantes. Os colombianos estão frustrados, principalmente com Duque. O presidente prometeu deixar o país mais seguro. Mas a violência está piorando. A Colômbia está exportando quantidades recordes de cocaína e os grupos armados ilegais estão se fortalecendo. 

Desde 2016, ano em que um acordo de paz foi assinado com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o maior exército rebelde do país, outros grupos armados expulsaram um número crescente de pessoas de suas casas no campo e assassinaram centenas de líderes locais. Os colombianos também culpam o governo por lidar mal com a pandemia.

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De fato, depois que Duque desistiu da reforma, os protestos se tornaram muito mais violentos. O governo tem sido repreendido pelo uso excessivo da força. Um veículo blindado foi filmado em Bogotá disparando munição de verdade em um bairro residencial. O Ministério Público está investigando o desaparecimento de cerca de 40 pessoas.

Em pronunciamento, Iván Duque propõe diálogo para tentar aplacar crise Foto: Presidencia de Colombia/EFE

No dia 4, Duque disse que criaria um “fórum para o diálogo nacional”, onde o governo se reuniria com manifestantes e outros grupos civis. Quando a Economist foi para a gráfica, aparentemente, alguns dos manifestantes aceitaram se encontrar com o governo. Mas, conforme a lista de demandas cresce - para incluir a retirada de um projeto de reforma da saúde, adoção de uma renda mínima garantida e o fim da erradicação forçada das plantações de coca, entre outras queixas - também aumenta a probabilidade de que eles não deixem as ruas.

Tudo isso tornará Duque mais fraco. Ao contrário de seus antecessores, ele não tem uma coalizão de maioria estável no Congresso. Até mesmo seu mentor, o ex-presidente Álvaro Uribe, distanciou-se de Duque - ele foi um dos primeiros a se manifestar contra o projeto de lei.

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O esquerdista Gustavo Petro vem ganhando força nas pesquisas. Ele perdeu para Duque nas eleições presidenciais de 2018, mas planeja concorrer novamente no próximo ano. Petro propôs que o Banco Central imprimisse mais dinheiro para lidar com as consequências da pandemia e elogiou o falecido Hugo Chávez, o socialista despótico que colocou a Venezuela no caminho da ruína. Em vez de uma reforma tributária ousada, o legado de Duque pode acabar sendo a garantia de que a Colômbia tenha o primeiro presidente socialista de sua história. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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