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A ridicularização do profeta

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Na sexta-feira, dia de oração dos muçulmanos, embaixadas e consulados franceses em países islâmicos serão protegidos. As escolas francesas serão fechadas. Isso em razão de um tabloide, o Charlie Hebdo, um semanário satírico, especialista na provocação e no mau gosto, que resolveu responder à violência que vem enlutando vários países muçulmanos desde a divulgação no YouTube de um filme cretino sobre o Islã, rodado nos EUA por um bando de idiotas, que leva o título de A Inocência dos Muçulmanos. Uma blasfêmia contra a religião do Alcorão, que se tornou um grande sucesso: um embaixador americano foi morto em Benghazi, na Líbia, e algumas outras pessoas também. Assim, o tabloide reagiu furiosamente, lançando uma publicação com uma dezena de caricaturas sobre o profeta Maomé e integristas muçulmanos. São desenhos aterradores. Maomé com o traseiro para o ar dizendo: "E o meu traseiro, você gosta do meu traseiro?" Ou então, o profeta com seu traseiro ornado com uma estrela com a legenda: "Maomé: nasce uma estrela". Os caricaturistas do jornal francês parecem ter muito orgulho de si mesmos e demonstram, em primeiro lugar, que têm coragem, uma vez que há dois anos a sede do jornal foi incendiada depois de uma edição em que denunciava a inqualificável lei muçulmana, a sharia. Aliás, desde a manhã de ontem, forças policiais foram mobilizadas para proteger a redação do jornal contra a cólera dos muçulmanos. Essas caricaturas indicam também que a França é um país democrático e laico. A liberdade intelectual não tem limite. As ideias e sua manifestação não se defrontam com nenhuma norma superior, especialmente a religiosa. Os caricaturistas do Charlie Hebdo, mesmo não desenhando tão bem, são fiéis aos princípios da Revolução Francesa, de 1789, filhos de Voltaire, que, no século 18, conseguiu que a liberdade de expressão triunfasse frente às religiões judaica, católica e muçulmana. Nesse sentido, o jornal é impecável. Em compensação, é caso de perguntar se antes de lançar o seu panfleto incendiário, os gênios do tabloide não fizeram estas perguntas: o estúpido filme americano, lançou multidões de muçulmanos contra símbolos do Ocidente nos países árabes. Os EUA e o Ocidente, que já não eram amados nesses países, agora são odiados e detestados. Seria inteligente jogar mais lenha na fogueira? Democracia. O jornal não estaria reproduzindo, ingenuamente, um sistema de relações que prevaleceu outrora, quando um Ocidente dominador impunha suas normas, seus princípios e, às vezes, os seus deuses para o restante do mundo? Respondendo aos horrendos atos de violência de alguns muçulmanos fanáticos, colocando no ridículo o profeta Maomé, o Charile Hebdo, um semanário tão pouco religioso, no fundo não quis mostrar que o Deus dos cristãos é superior ao do Islã porque é tolerante? Em um país católico, de fato, a democracia e a liberdade de expressão são a norma. Podemos blasfemar, cometer sacrilégios, insultar o papa e até Jesus Cristo, sem nos expor à censura ou às represálias mortais. É essa a mensagem subliminar que devemos apreender das caricaturas desse jornal de esquerda que outrora esteve na vanguarda do combate anticolonialista? Em resumo, o Ocidente vale mais do que o restante do mundo. Há seis anos, o mesmo tabloide publicou 12 caricaturas de Maomé que haviam aparecido antes no periódico dinamarquês Jyllands-Posten. Na ocasião, foram vendidos 600 mil exemplares, ao passo que as edições regulares do tabloide não têm mais do que 45 mil leitores. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO* É CORRESPONDENTE EM PARIS

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