A Rússia é uma superpotência Potemkin, forte apenas na aparência; leia a análise

Duas coisas ficaram claras após a invasão à Ucrânia: primeiro, Putin tem delírios de grandeza; segundo, a Rússia é ainda mais fraca do que a maioria das pessoas, inclusive eu, parece ter percebido

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Por Paul Krugman (The New York Times)
Atualização:

Cuidado, Vladimir Putin: a primavera (no hemisfério norte) está chegando. E quando isso acontecer, você perderá qualquer alavancagem que lhe resta.

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Antes de Putin invadir a Ucrânia, eu poderia ter descrito a Federação Russa como uma potência de médio porte que supera seu peso em parte explorando as divisões ocidentais e a corrupção, em parte mantendo um Exército poderoso. Desde então, no entanto, duas coisas ficaram claras. Primeiro, Putin tem delírios de grandeza. Em segundo lugar, a Rússia é ainda mais fraca do que a maioria das pessoas, inclusive eu, parece ter percebido.

Há muito é óbvio que Putin quer desesperadamente restaurar o status da Rússia como uma grande potência, basta ouvir seu já infame discurso “não existe Ucrânia”, no qual ele condenou Lenin por aparentemente recriar o império czarista. E ele pensou que poderia dar um grande passo em direção a esse objetivo com uma guerra curta e vitoriosa.

Até agora, não funcionou como planejado. A resistência ucraniana tem sido feroz. As Forças Armadas da Rússia têm sido menos eficazes do que o anunciado. Fiquei especialmente impressionado com relatos de que os primeiros dias da invasão foram prejudicados por graves problemas logísticos – ou seja, os invasores tiveram dificuldade em fornecer às suas forças o essencial da guerra moderna, acima de tudo, combustível. É verdade que os problemas de abastecimento são comuns na guerra. Ainda assim, a logística é uma coisa em que as nações avançadas deveriam ser realmente boas. Mas a Rússia parece cada vez menos uma nação avançada.

A verdade é que eu estava sendo generoso ao descrever a Rússia como uma potência de tamanho médio. Reino Unido e França são potências de médio porte. O produto interno bruto da Rússia é apenas um pouco mais da metade do tamanho de ambos. Parecia notável que um Estado economicamente abaixo do seu peso pudesse apoiar um Exército de classe mundial e altamente sofisticado – e talvez não pudesse mesmo. Isso não é negar que a força que devasta a Ucrânia tem imenso poder de fogo, e pode muito bem tomar Kiev. Mas eu não ficaria surpreso se as análises sobre a guerra na Ucrânia eventualmente mostrassem que havia muito mais podridão no coração das Forças Armadas de Putin do que se imaginava.

 

Sinais

E a Rússia está começando a parecer ainda mais fraca economicamente do que antes de ir para a guerra. Putin não é o primeiro ditador brutal a se tornar um pária internacional. Até onde sei, no entanto, ele é o primeiro a fazê-lo enquanto preside uma economia profundamente dependente do comércio internacional – e com uma elite política acostumada, literalmente, a tratar as democracias ocidentais como seu playground.

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Pois a Rússia de Putin não é uma tirania hermética como a Coreia do Norte ou a antiga União Soviética. Seu padrão de vida é sustentado por grandes importações de produtos manufaturados, pagos principalmente através da exportação de petróleo e gás natural.

Isso deixa a economia da Rússia altamente vulnerável a sanções que podem atrapalhar esse comércio, uma realidade refletida na forte queda do valor do rublo na segunda-feira, apesar de um enorme aumento nas taxas de juros domésticas e tentativas draconianas de limitar a fuga de capitais.

Antes da invasão era comum falar sobre como Putin havia criado a “fortaleza Rússia”, uma economia imune a sanções econômicas, acumulando um enorme baú de guerra de reservas em moeda estrangeira.

Agora, no entanto, essa conversa parece ingênua. Afinal, o que são as reservas externas? Não são sacos de dinheiro. Na maior parte, consistem em depósitos em bancos no exterior e títulos de dívida de outros governos – ou seja, ativos que podem ser congelados se a maior parte do mundo estiver unida em repulsa contra a agressão militar de um governo desonesto.

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Lingotes

É verdade que a Rússia também possui uma quantidade substancial de ouro físico no país. Mas quão útil é esse ouro como forma de pagar por coisas que o regime de Putin precisa? Você pode realmente conduzir negócios modernos em grande escala com lingotes?

Finalmente, como observei na semana passada, os oligarcas da Rússia esconderam a maior parte de seus ativos no exterior, tornando-os sujeitos a congelamento ou apreensão se os governos democráticos tiverem vontade pra isso. Você pode dizer que a Rússia não precisa desses ativos, o que é verdade. Mas tudo o que Putin fez no cargo sugere que ele considera necessário comprar o apoio dos oligarcas, então a vulnerabilidade deles é a vulnerabilidade dele.

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Aliás, um enigma sobre a imagem de força da Rússia pré-invasão da Ucrânia foi como um regime cleptocrata conseguiu ter um Exército eficiente e eficaz. Talvez não tenha conseguido?

Ainda assim, Putin tem um às na manga: políticas irresponsáveis tornaram a Europa profundamente dependente do gás natural russo, potencialmente inibindo a resposta do Ocidente à sua agressão.

Mas a Europa queima principalmente gás para aquecimento. O consumo de gás é 2,5 vezes maior no inverno do que no verão. Bem, o inverno acabará em breve – e a União Europeia tem tempo para se preparar para outro inverno sem gás russo se estiver disposta a fazer algumas escolhas difíceis.

Como eu disse, Putin pode muito bem tomar Kiev. Mas mesmo que o faça, ele terá se tornado mais fraco, não mais forte. A Rússia agora se revela uma superpotência Potemkin, com muito menos força real do que aparenta.

*Paul Krugman é professor do City University of New York e ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2008

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