EXCLUSIVO PARA ASSINANTES

A Ucrânia e a Europa

PUBLICIDADE

Por GILLES LAPOUGE
Atualização:

A queda de braço continua em Kiev entre aqueles que, ao lado do presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, querem unir a antiga república soviética à Rússia de Vladimir Putin, e aqueles que desafiam a polícia para exigir que a Ucrânia se aproxime da Europa. O que mostra a gravidade do que está em jogo no momento, sob os olhos petrificados do mundo, na Praça da Independência, em Kiev: o movimento pendular e secular entre Leste e Oeste, Oriente e Ocidente, que acompanha a história europeia e onde a Ucrânia, por sua posição geográfica, sempre foi um dos grandes protagonistas. Certamente, a Europa está preocupada com esses movimentos. Um país tão importante como a Ucrânia, de 45 milhões de habitantes, potencialmente rico e inserido entre dois universos gritando seu desejo de pertencer à Europa é algo que não ocorre todos os dias. Seria prudente que Bruxelas se mova um pouco. No entanto, até o momento, ela mostra lentidão diante da agilidade do tigre e do cinismo - também de tigre - da outra parte, ou seja, do patrono de Yanukovich, Vladimir Putin. Bruxelas se mexeu pouco. Enviou a Kiev a chefe de sua diplomacia, essa estranha britânica, a baronesa Catherine Ashton, que conversou longamente com o presidente ucraniano. No entanto, a única resposta da Ucrânia foi oferecida pelo primeiro-ministro Mykola Azarov, que afirmou que o país precisa de 20 bilhões de ajuda para assinar um acordo de adesão à UE. Cinismo, chantagem e cobiça. Bruxelas ficou indignada. Devemos reconhecer que a UE não tem muitos meios para agir. O caminho é estreito. Qualquer medida pode parecer que ela está interferindo nos assuntos de um Estado soberano. Além disso, se a força da Europa está no fato de ser numerosa (28 países-membros), esta é também sua fragilidade, porque os 28 não compartilham da mesma visão sobre a Ucrânia, mesmo desejando que ela seja retirada da órbita russa. Podemos distinguir duas tendências: alguns países gostariam que um acordo de plena adesão da Ucrânia à UE se conclua no longo prazo. Este raciocínio é privilegiado pelos países europeus que pertenceram à União Soviética, como Polônia e os três países bálticos. A lembrança que guardam do stalinismo explica sua posição rígida: para eles, tudo o que vem de Moscou carrega a peste, sobretudo quando o mentor é o oficial da KGB Vladimir Putin. Divisões. Os outros países europeus têm ambições mais modestas. Alemanha e França, por exemplo, não querem que a Europa continue no processo de ampliação incessante, assimilando um país atrás do outro a ponto de se tornar impossível de governar. Sobretudo o euroceticismo continua a ganhar terreno nesse grandes países, como França, Alemanha e Grã-Bretanha. O euroceticismo pode se inflamar com a integração à UE de novos países do Leste. Além disso, mesmo entre Alemanha e França existem nuanças. Angela Merkel passou sua infância na Alemanha Oriental e não esqueceu esse período. O presidente alemão, Joachim Gauck, é um antigo pastor luterano da antiga RDA e já manifestou o seu receio. Chegou mesmo a anunciar que boicotará as Olimpíadas de inverno de Sochi, na Rússia, diante das violações de direitos humanos no país. Há alguns dias, o chefe da diplomacia alemã, Guido Westerwelle, apareceu em meio à multidão de manifestantes ucranianos que protestava em Kiev. A França, até o momento, não demonstrou muita emoção com relação à Ucrânia. O chanceler, Laurent Fabius, conversou por telefone com um dos líderes da oposição ucraniana, Vitali Klitschko, mas sua cabeça está em outro lugar. E a do presidente François Hollande está mais longe ainda. Ele está no Brasil, mas pensa sobretudo na República Centro-Africana, onde a França está engajada numa operação necessária, mas delicada e repleta de perigos. A política externa de um país, mesmo quando faz parte de um conjunto chamado União Europeia, é marcada pela sua história e sua geografia. A Alemanha tem uma longa fachada oriental e a sua história recente é marcada pela lembrança das multidões que, na Alemanha Oriental, também estavam ávidas para integrar a Europa - isso há menos de 30 anos. A França, pelo contrário, está voltada para o sul, para o Mediterrâneo e para a África, onde foi a potência colonizadora. É uma região na qual Paris fez várias intervenções recentes: no Mali, em janeiro, e agora na República Centro-Africana. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO É CORRESPONDENTE EM PARIS

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.