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A "Velha Europa" volta-se contra Rumsfeld

Por Agencia Estado
Atualização:

A classe política francesa se regozija depois que Donald H. Rumsfeld, consumido pelas críticas franco-alemãs à guerra contra o Iraque, colocou os dois países a pique, ao fazer essa magnífica declaração: "Esses dois países são a velha Europa!" Caro Donald! Se não existisse, pensam os políticos franceses, precisaria ser inventado. Depois daquela quarta-feira, não houve deputado ou ministro francês que não tenha folheado seu dicionário de citações para lançar contra Rumsfeld uma fórmula mortalmente ácida. Neste jogo, a campeã é a ministra francesa da Ecologia, Roselyne Bachelot, conhecida também pela alcunha de "madame sem papas na língua", que deu a melhor contribuição. Ela falou que seu desejo era responder à Rumsfeld com a palavra que o general de Napoleão, Cambronne, gritou para os ingleses quando estes o convidaram a se render em Waterloo: "Merda!" Claro, a escaramuça franco-americana não se resume a este folclore. E as pessoas mais sérias que os políticos, ou seja, os jornalistas, retratam de outra forma essa situação sombria. Eles vêem nesta troca de farpas através do Atlântico um fenômeno sem precedentes, que pode prenunciar o fim de um período de 60 anos de amizade e sua substituição por uma nova relação diplomática. Esse veredicto nos parece exagerado. Em primeiro lugar, podemos encontrar, no passado recente, outras altercações franco-americanas: o desembarque franco-britânico no Canal de Suez, em 1995, contra norte-americanos e russos bizarramente reunidos. Mais próximos de nós, o grandioso discurso que o general Charles de Gaulle fez em Pnom-Pehn para criticar os Estados Unidos e anunciar que sua aventura no Vietnã terminaria em desastre, como realmente aconteceu. Naquele dia, a velha Europa e o velho general tinham uma visão mais clara do que aconteceria do que os jovens norte-americanos. Por outro lado, essas rusgas diplomáticas servem muitas vezes para fazer tempestade em copo d´água e ser esquecidas em poucas semanas. De qualquer maneira, a briga de antes de ontem não pode ser negligenciada porque é o sintoma de uma situação ruim e perigosa. Numa análise direta, a questão do Iraque revela a verdadeira intenção de Washington. Os norte-americanos, desimpedidos do contrapé soviético, e enlevados por uma superioridade absoluta em matéria de arsenal e economia, querem conduzir o planeta segundo suas vontades. Em todos os lugares: no Oriente Médio, onde a eliminação de Saddam Hussein visa a recolocar toda a região petrolífera, inclusive a Arábia Saudita, sob direção direta dos EUA. Mas também na Europa, onde segundo Washington não existe um poder político autônomo e, portanto, inexiste rivalidade contra os EUA. Washington anuncia com a brutalidade dos que têm grandes músculos sua vontade de identificar a Europa com a OTAN, sendo ela uma federação de vassalos devotos ao suserano americano. E como essa visão comanda toda a diplomacia bushiana, não é de se surpreender que o antiamericanismo tenha crescido em todos os países de maneira ridícula. De Napoleão, que queria que todos fizessem sua vontade, o grande escritor francês Chateaubriand escreveu: "Um inseto que voa sem suas ordens é um inseto revoltado." Essa presunção não caiu bem a Napoleão. E ainda assim, ele era, dizem, bem mais inteligente que George W. Bush.

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