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A vitória envergonhada

Para quem insiste que os venezuelanos em tempos bolivarianos desfrutam da plena democracia - "excesso de democracia", como queria o ex-presidente Lula -, a eleição do domingo passado apresenta dados inconvenientes. Nela, por apenas 272 mil votos, venceu Nicolás Maduro, herdeiro apontado pelo presidente Hugo Chávez pouco antes de sua morte, em março. Pode até ser. Mas, para o chavismo, foi uma vitória com cara de derrota. Afinal, em outubro do ano passado, abalado pelo câncer que o mataria e com a economia em pane, Chávez conquistou um terceiro mandato com impressionantes 55% dos votos, contra 44% do seu rival, Henrique Capriles. Seis meses depois, na mão de Maduro, a vantagem oficialista minguou para 1,7% de um universo de 15 milhões de votos. Os chavistas não cansam de repetir que seu processo eleitoral é modelo internacional, com urnas eletrônicas de última geração, seguras e capazes de totalizar o resultado em questão de minutos - palavra de Jimmy Carter, o xerife global das eleições democráticas e, mais recentemente, do ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil, José Dias Toffoli. O chavismo se ufana. No entanto, a apuração bolivariana obedece sua lógica própria. Que mais poderia explicar a pressa com que o Conselho Nacional Eleitoral, órgão recheado de chavistas, declarasse Maduro o vencedor, em meio à cascata de irregularidades tão fartamente documentadas pela oposição? Ou a esperteza da televisão estatal, que apelou para a molecagem infográfica para converter delgada vantagem de Maduro em vitória folgada? Segundo fiscais da Mesa da Unidade Democrática, a eleição foi crivada de abusos. Em entrevista coletiva, Capriles elaborou. Falou em centenas de eleitores intimidados "por gangues motorizadas" e ainda 534 urnas "danificadas", jogando sombra sobre a contagem de 189.982 votos. Fraudes. Monitores credenciados da oposição foram expulsos de 283 centros de votação, "às vezes à ponta de arma", deixando sem fiscalização um total de 722.983 votos. Em 564 outros, houve o "voto assistido", onde eleitores portadores de necessidades especiais foram escoltados cabine adentro por mesários oficialistas. Coisa de 1,4 milhão de votos em jogo. Haja cadeira de rodas. Ainda havia curiosidades que nem a lógica bolivariana consegue explicar. Numa eleição em que a oposição obteve avanços históricos e a margem de vitória oficial quase evaporou, o insosso Maduro teria ultrapassado a última marca do próprio mentor, humilhando-o na votação em três Estados - Aragua, Mérida e Nueva Esparta. Ao todo, contabilizaram-se 3.200 ocorrências, algumas com tintas do livro Guinness (um eleitor com 120 anos) e outras (600 mil mortos cadastrados para votar) que fariam corar mafiosos do naipe de Richard Daley, ex-capo de Chicago. A chuva de denuncias parece ter surtido efeito. Ou, quem sabe, algum governo companheiro - quem sabe Brasília? - tenha sussurrado bom senso no ouvido bolivariano. O fato é que o Conselho Nacional Eleitoral voltou atrás e admitiu completar a recontagem dos votos exigida por Capriles - mas só depois de quatro dias de tumulto que resultaram em violentos choques de rua e custaram oito vidas. Pode ser que Maduro tenha mesmo vencido. Ele não é Chávez, mas o que lhe faltava de carisma e lábia compensava com as benesses e aura oficiais. Presidente de fato, de posse das chaves da máquina do governo e indicado por um líder idolatrado, o ex-chanceler surfou na onda alheia do luto nacional. A eleição era sua para perder. No entanto, a república bolivariana mudou. Com toda a aura chavista emprestada e seu caixa regado a petrodólares, Maduro esbarrou com rivais convictos, repaginados após sucessivas derrotas e muito mais hábeis em explorar as brechas de uma revolução em farrapos. A oposição não se impressionou pela ilusão bolivariana. Sua derrota teve cara de vitória. Entre em votação e outra, pularam da barricada quase 1 milhão de eleitores chavistas. Ou foram mais?

Por Mac Margolis
Atualização:

* Mac Margolis é correspondente da revista Newsweek e edita o site Brazil in Focus.

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