Ação deve seguir retórica

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Por Nicholas D. Kristof
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No final da presidência de Bill Clinton, em janeiro de 2001, o site The Onion declarou: "Nosso longo pesadelo nacional de paz e prosperidade acabou." Isso era para ser uma sátira, mas num olhar retrospectivo se revelou uma análise perspicaz. Uma medida da soturna trajetória dos últimos oito anos é que hoje The Onion parece igualmente perspicaz quando diz sobre a última transição: "Homem negro recebe pior emprego da nação." Esse homem está fazendo um excelente começo, e sites noticiosos de todo o mundo captam a ansiedade do globo - o desespero até - por uma liderança americana. "Que a reconstrução dos EUA comece hoje", declarou The Guardian, na Grã-Bretanha. The Independent chamou o dia da posse de "um dia para a esperança". Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel falou de "um momento verdadeiramente grande para os EUA" que oferecia "uma multidão de oportunidades". The Times of India saudou "um novo começo". Na Irlanda do Norte, The Belfast Telegraph perguntou: "Poderá Obama nos salvar?" Uma pesquisa de opinião da BBC em 17 países revelou que uma média de 67% acreditam que Obama melhorará as relações dos EUA com o restante do mundo. Apenas 5% acham o oposto. Dois temas foram particularmente tranquilizadores no discurso de posse de Obama. Um foi sua disposição de inclusão, seu esforço para atrair povos para sua grande tenda, um imenso contraste com os anos de George W. Bush governando de uma tendinha ideológica. A disposição de inclusão do presidente Obama começou com sua celebração dos EUA como uma mistura multifacetada de "cristãos e muçulmanos, judeus e hindus - e os que não têm crença religiosa." Se alguém souber de algum outro presidente em exercício que tenha ousado abraçar os ateus (Thomas Jefferson o fez, mas não quando estava no cargo), queira enviar a informação a meu blog, nytimes.com/ontheground). RAMO DE OLIVEIRA Obama foi também o primeiro presidente a usar a palavra "muçulmano" num discurso de posse, e o fez duas vezes. Num ramo de oliveira oblíquo que tomei como direcionado para Irã e Síria, ele disse: "Estenderemos a mão se vocês estiverem dispostos a afrouxar seu punho."O segundo tema tranquilizador tem a ver com "poder duro" e "poder brando", na terminologia de Joseph Nye, um professor de Harvard. Nos anos Bush-Cheney, os EUA procuraram se apoiar principalmente no "poder duro" militar, e o resultado foi reveses por todo o mundo, do programa nuclear no Irã ao processamento de plutônio na Coreia do Norte para meia dúzia de armas nucleares (comparado a zero durante a presidência Clinton). Como meu colega David Sanger documenta em seu soberbo novo livro, The Inheritance (A Herança): "Seguimos um caminho que nos deixou menos admirados por nossos aliados, menos temido por nossos inimigos, e menos capazes de convencer o restante do mundo de que nosso modelo econômico e político merece ser imitado." Em seu discurso de posse, Obama focou no poder brando ao lado do poder duro: "Nossa segurança emana da justiça de nossa causa, da força de nosso exemplo, das qualidades moderadoras de humildade e contenção." Qualidades moderadoras? Dick Cheney nunca quis moderar nada, nem mesmo seu mau humor. Essa mistura de poder brando e duro é o que o professor Nye chama de "poder inteligente" - uma atualização da noção de falar manso e carregar um grande porrete de Teddy Roosevelt - e esse parece ser um tema emergente do novo governo. Hillary Clinton o enfatizou em sua audiência de confirmação. O professor Nye disse que o discurso de posse de Obama foi um exemplo perfeito de poder inteligente. "Isso não fará nossos adversários mudar de rumo, mas ajudará em termos da corrente predominante dos muçulmanos e ajudará em termos de aliados", disse Nye. "E dará um tom diferente à política externa." Agora o mundo estará atento para ver se a política de Obama fará jus à sua retórica. A questão da economia será dominante, é claro, mas serão precisos meses ou anos para julgar os resultados neste caso. Enquanto isso, há dois testes imediatos pelos quais o mundo começará a julgar Obama. O primeiro será o modo como ele lidará com Guantánamo e a questão da tortura. Um segundo teste é a política para o Oriente Médio. A política de Bush de desengajamento e omissão perante os sofrimentos dos palestinos tornou mais difícil alcançar uma paz que é a melhor esperança tanto para israelenses como para palestinos. Os telefonemas que Obama deu na quarta-feira a líderes do Oriente Médio foram úteis, e ele deveria deixar imediatamente claro que deseja que Israel interrompa os assentamentos e reduza as restrições repressivas na Cisjordânia. Esses passos assegurarão ao mundo que suas esperanças de um novo dia em Washington podem ser justificadas. *Nicholas D. Kristof é colunista

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