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Ação global contra terror agrava conflitos locais

Antiga briga pela Caxemira se tornou mais aguda com operações dos EUA no Paquistão e o crescimento do movimento islâmico internacional

Por Pankaj Mishra
Atualização:

Antes de completar sua "missão", o terrorista que estava no centro comunitário judaico de Mumbai telefonou a um canal de TV. Falando urdu, principal língua do Paquistão e de muitos muçulmanos indianos, ele criticou a recente visita de um general israelense à região da Caxemira indiana. Referindo-se ao movimento rebelde no local, ele perguntou: "Vocês têm noção de quantas pessoas foram mortas na Caxemira?" Em mais um telefonema, outro terrorista lembrou a opressão dos nacionalistas hindus contra os muçulmanos e a destruição da Mesquita Babri, em Ayodhya, em 1992. Os dois telefonemas foram as únicas ocasiões em que os militantes apresentaram um provável motivo pela matança. A retórica parece familiar. Entretanto, mostra que os conflitos políticos mais antigos do sul da Ásia se tornam mais agudos em conseqüência da "guerra ao terror?" e do crescimento da militância islâmica internacional. O Paquistão, Estado com raízes no Islã, há muito reivindica a Caxemira, de maioria muçulmana. Desde 1947 já entrou em três guerras com a Índia. No início dos anos 90, enquanto o movimento rebelde contra a Índia se intensificava na Caxemira, grupos como o Lashkar-i-Taiba se tornaram os representantes do governo paquistanês em sua "guerra de atrito" com o vizinho. A pressão americana depois dos eventos do 11 de Setembro obrigou o então presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, a banir o Lashkar-i-Taiba, que havia estabelecido vínculos com o Taleban e a Al-Qaeda. Com a saída de Musharraf, em setembro, não deve surpreender que o grupo tenha cometido a atrocidade de Mumbai. O novo governo civil do Paquistão é demasiado fraco para controlar os grupos extremistas do país, assim como os rebeldes nas Forças Armadas e da inteligência. Como as forças americanas bombardeiam esconderijos terroristas no Paquistão desde a época de Musharraf, ignorando os apelos paquistaneses, os cidadãos consideram seus governantes pateticamente incompetentes. Não se pode subestimar o sentimento de humilhação e de impotência que a perda de soberania provoca no Paquistão, país com uma forte tradição de nacionalismo populista. Quando assumir a presidência dos Estados Unidos, Barack Obama poderá persuadir Índia e Paquistão a uma solução política para a Caxemira. Mas, inicialmente, ele teria de dar o exemplo e rejeitar os falsos pressupostos de uma guerra global ao terrorismo baseada na força militar - pressuposto que as elites de países poderosos com minorias irrequietas como Índia, China e Rússia abraçaram rapidamente desde o 11 de Setembro.

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