Ações iniciais reforçam guinada conservadora

Trump revê pontos do legado de Obama, como acesso a planos de saúde e combate à mudança climática; nomeação de juiz para Suprema Corte terá como critério posição contra o aborto

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Por Cláudia Trevisan , Correspondente e Washington
Atualização:

Barack Obama usou grande parte de seu capital político para adotar medidas de combate à mudança climática, defender limites ao porte e às vendas de armas, aumentar o respeito à diversidade sexual e aprovar medidas de tolerância à permanência nos EUA de alguns dos 11 milhões de imigrantes que vivem no país sem documentos. Nas primeiras horas após tomar posse, Donald Trump deixou claro que trabalhará em linha contrária.

Refugiados protestam contra Trump em frente ao Parlamento grego, em Atenas. Foto: EFE/EPA/ALEXANDROS VLACHOS

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A guinada conservadora pode não só reverter o construído pelo antecessor nos últimos oito anos, mas empurrar a legislação e as instituições americanas para a direita, com efeito no longo prazo. O gabinete de Trump tem integrantes que não acreditam que o aquecimento global seja provocado pela ação humana, se opõem ao direito ao aborto, são críticos da legalização da maconha, contrários a um maior controle das armas, resistentes a regulações trabalhistas e distantes de debates sobre diversidade racial ou sexual. Em geral, são favoráveis à redução da atuação do Estado na economia e em áreas como saúde e educação.

Há duas mulheres e um negro no primeiro escalão, dominado por homens brancos. O presidente eleito com um discurso populista dirigido aos operários escolheu multimilionários e bilionários para seu governo e formou o gabinete mais rico da história do país. Pela primeira vez em três décadas, não há nenhum latino no primeiro escalão do governo americano.

O gabinete é formado por pessoas que têm posições antagônicas às agências que comandarão. O secretário do Trabalho, Andrew Puzder, é um empresário que se opõe ao aumento do salário mínimo e à ampliação de direitos trabalhistas. 

O cientista político Cal Jillson, professor da Southern Methodist University, acredita que uma de suas primeiras decisões será a revogação da medida do governo Obama que ampliou em quase 5 milhões o número de empregados que têm direito a receber horas extras. “Trump poderá acabar com regulações trabalhistas e ambientais facilmente, porque muitas estão previstas em decretos ou atos administrativos”, disse Jillson ao Estadão. Também será possível dar os primeiros passos para o desmonte do Obamacare. Mas a rejeição total do programa símbolo de seu antecessor dependerá do Congresso.

Prioridade. O grande alvo de Trump e da maioria republicana no Congresso será o Obamacare, a principal realização de política doméstica do ex-presidente, que aumentou em 20 milhões o número de americanos que têm seguro de saúde, mas também elevou os preços pagos por muitos dos que já tinham cobertura. 

O novo presidente disse que substituirá o programa por outro melhor e mais acessível, mas ainda não está claro o que será colocado no lugar. Na noite de sexta-feira, Trump assinou um decreto que orienta administração a “amenizar o custo” do Obamacare, sem detalhar medidas concretas.

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A agenda da nova administração americana reflete os valores do interior do país que levou Trump à Casa Branca. Marcados pela religiosidade, o conservadorismo social e a defesa intransigente do acesso irrestrito às armas, eles se chocam com a visão mais liberal e inclusiva das regiões metropolitanas nas quais Hillary Clinton foi vitoriosa em novembro. 

A democrata venceu nas grandes cidades e recebeu 2,9 milhões de votos a mais que o republicano na votação popular. Ainda assim, ela perdeu a disputa pelos 270 delegados no colégio eleitoral, que dá peso desproporcional ao interior e às regiões rurais dos EUA. As prioridades do governo Trump, que passaram a estampar o site da Casa Branca, parecem um elenco de seu discurso de campanha. Em um capítulo sobre “aplicação da lei”, o novo governo diz que construirá “o muro” na fronteira com o México e acabará com as “cidades santuários”, que adotam leis tolerantes à permanência de imigrantes indocumentados nos Estados Unidos. Entre elas, estão regras que garantem a matrícula de crianças nas escolas independentemente do status migratório de seus pais. 

Massacres. Em 14 de dezembro de 2012, o país foi sacudido por um dos mais aterrorizantes tiroteios em massa, no qual 26 pessoas morreram na escola primária Sandy Hook – 20 delas eram crianças de 6 e 7 anos de idade. Obama pressionou o Congresso a adotar legislação para reforçar a checagem de antecedentes criminais e do estado psicológico dos que têm acesso as armas. As iniciativas foram rejeitadas pelo Congresso.

“Apoiar a aplicação da lei significa apoiar a possibilidade de nossos cidadãos de se defender. Nós vamos defender os direitos da Segunda Emenda em todos os níveis de nosso sistema judiciário”, diz uma nova diretriz da Casa Branca.

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O impacto de mais longo prazo da agenda conservadora de Trump virá da nomeação de juízes para a Suprema Corte, a instituição que define as questões cruciais da sociedade americana, entre as quais o casamento gay e o direito ao aborto, em vigor desde o fim da década de 70. 

Durante a campanha, o novo presidente prometeu escolher um nome conservador para a vaga aberta há quase um ano com a morte de um dos mais conservadores juízes do tribunal, Antonin Scalia. A expectativa é de que Trump consiga nomear mais um ou dois juízes, o que fará a balança da Corte pender na direção dos conservadores. O presidente disse que um dos critérios da escolha é a oposição ao direito ao aborto.

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