Acordo entre Benazir e Musharraf irritou radicais

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Por Gilles Lapouge
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A volta triunfal de Benazir Bhutto ao Paquistão, para tornar-se a futura primeira-ministra do presidente Pervez Musharraf foi saudada com uma carnificina: mais de 140 mortos nas ruas de Karachi onde Benazir, que já foi primeira-ministra por duas vezes, participava de uma marcha para celebrar sua chegada. Benazir escapou ilesa. Um milagre. Ela se havia recusado a usar um helicóptero. Pior: havia mandado desmontar um vidro à prova de balas de seu caminhão, enquanto permanecia, sem proteção, no meio de uma multidão enlouquecida. Ela acabava de entrar no caminhão blindado quando a bomba explodiu, espalhando pedaços de corpos por todos os lados. O feito teria sido obra da Al-Qaeda e de seus aliados paquistaneses. Qual o motivo? Benazir é odiada pela Al-Qaeda por duas razões: ela condenou os radicais islâmicos e é, aos olhos destes, uma criatura dos americanos - do "diabo". Benazir, que vivia no exílio por causa das acusações de corrupção e enriquecimento ilícito, havia meses negociava com Musharraf. Ele preparava sua reeleição e Benazir, sua volta ao Paquistão, com a promessa de que não seria detida pela condenação por corrupção. A pesada máquina diplomática americana foi acionada para reconciliar o presidente e a ex-premiê e instalar em Islamabad uma equipe governante (Musharraf-Benazir) forte o bastante para conter os radicais. O Paquistão é uma peça vital numa das mais perigosas regiões do mundo. Mas essa peça é frágil. Musharraf é impopular. O Exército paquistanês é pouco confiável, gangrenado pelo Taleban. Os radicais pululam na região tribal, isto é, na fronteira incontrolável e selvagem entre Paquistão e Afeganistão. Em outubro, foram detectados combatentes islâmicos prontos para ofensiva contra as tropas da Otan no sul do Afeganistão. A secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, telefonou para Musharraf e fez um verdadeiro escarcéu pelo telefone. Resultado: Musharraf promulgou um "decreto de reconciliação nacional", em outras palavras, o compromisso de anisitiar Benazir. O caminho estava livre para o retorno. Aí está por que os radicais vociferam que o futuro governo do Paquistão, Musharraf-Benazir, está a soldo dos americanos. Desde a reeleição de Musharraf, no dia 6, aviões paquistaneses bombardeiam uma cidade na área tribal, onde estariam escondidos líderes da Al-Qaeda. Nos dias seguintes, uma ofensiva contra os radicais incendeia o Waziristão do Norte. Seiscentos mortos, entre eles muitos civis. Sob as bombas, começa um êxodo em massa da população local. Alguns dias atrás, o comandante supremo do Taleban paquistanês, Baitullah Mehsud, jurou matar Benazir quando ela retornasse ao país. Benazir foi alertada, mas desprezou a ameaça: "Não tenho medo. Um verdadeiro muçulmano não atacará uma mulher porque o Islã proíbe ataques contra as mulheres." Quarenta e oito horas mais tarde, cabeças, braços, ventres, pernas voavam na praça de Karachi. *Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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