Adiós democracia venezuelana

Maduro prepara ‘caricatura da caricatura’ de Cuba

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Por THE ECONOMIST
Atualização:

Espera-se que as Constituições, como os diamantes, durem bastante. Mas não é essa a opinião do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que em maio convocou uma Assembleia Constituinte, a ser eleita no dia 30. Nada no processo atual lembra o que ocorreu com a Constituição de 1999, referendada pelos venezuelanos quando Hugo Chávez estava no poder.

A decisão de Maduro até mesmo viola descaradamente o texto constitucional bolivariano, segundo o qual a convocação teria de ser feita por referendo, não por decreto presidencial.

Chavistas invadem a sede da Assembleia Nacional e atacam deputados de oposição, jornalistas e funcionários da casa Foto: Reuters

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Maduro diz que sua intenção é derrotar o “fascismo” da oposição. Mas o fato é que os constituintes serão escolhidos por um sistema que poderia muito bem ter sido concebido por Benito Mussolini. Cada um dos 340 municípios do país, independentemente do tamanho de sua população, elegerá um constituinte (a exceção são as capitais dos Estados, que elegerão dois representantes).

Isso significa que a oposição, cuja força se concentra nos grandes centros urbanos, estará sub-representada. Outros 181 constituintes serão escolhidos por grupos de caráter ocupacional e comunitário, controlados pelo regime.

Maduro quer a Constituinte porque não tem mais condições de permanecer democraticamente no poder. Os baixos preços do petróleo e os problemas de gestão tiveram consequências nefastas para o país. Há escassez de alimentos e remédios; doenças há muito controladas, como difteria e malária, voltaram a causar fatalidades.

A oposição obteve maioria esmagadora na eleição legislativa de 2015. De lá para cá, Maduro governa por decreto, com apoio do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que é mero fantoche do presidente. Em manifestações que vêm ocorrendo diariamente, já foram mortas mais de 90 pessoas, muitas abatidas a tiros pela Guarda Nacional ou por coletivos chavistas armados.

A guinada rumo à ditadura provocou rachaduras em sua base de apoio: a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, uma chavista histórica, passou a criticar abertamente o governo. 

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Aparentemente, o objetivo de Maduro é instaurar no país uma ditadura nos moldes cubanos. Ele já instituiu um sistema de racionamento inspirado em Cuba, com cestas de alimentos entregues pelo Exército. A Constituinte, dizem autoridades chavistas, terá poder soberano, e não perderá tempo em tirar Ortega Díaz do cargo.

Em maio, chanceleres das nações que fazem parte da Organização dos Estados Americanos (OEA) fracassaram em aprovar uma moção de censura contra o governo Maduro. De qualquer forma, mesmo que a moção tivesse sido aprovada, seu impacto seria reduzido. Os únicos obstáculos em potencial ao estratagema de Maduro estão em suas próprias fileiras.

Muitos chavistas se opõem à Constituinte. “O chavismo democrático é importante em termos de sentimento popular”, diz David Smilde, especialista em Venezuela da Universidade Tulane. “Mas se encontra completamente desorganizado.” Por mais que tenham havido manifestações intermitentes em regiões chavistas de Caracas, de modo geral motivadas pela falta de alimentos, a oposição não conseguiu se aproximar dos dissidentes do regime a fim de organizar um movimento de protesto realmente nacional.

Nas Forças Armadas, que sustentam Maduro no poder, há um ou outro sinal de descontentamento, mas, pelo menos por ora, parece afastada a hipótese de insubordinação generalizada. Alguns generais reformados que eram próximos de Chávez criticaram a ideia de uma nova Constituinte. 

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Em 20 de junho, Maduro tirou o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, do poderoso posto de comandante operacional das Forças Armadas. Analistas viram uma manifestação de desconfiança.

As tensões estão aumentando. Um inspetor da polícia científica executou voos rasantes com um helicóptero sobre o TSJ e o Ministério do Interior e uma multidão chavista atacou o Parlamento.

Falta a Maduro e a seu círculo a aura de heroísmo que cercava Fidel Castro. “Se a Venezuela chavista era uma caricatura da revolução cubana, então Maduro é uma caricatura da caricatura”, diz um diplomata latino-americano. Não há revolução na Venezuela; há abuso de poder. É possível que mais sangue venha a ser derramado antes que a tragédia chegue ao fim. / TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER © 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM. 

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