Afegãos reagem à mudança cultural do país

Parlamento estuda projeto de lei para diminuir influência ocidental iniciada após queda do Taleban, em 2001

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Por Angela Perez
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O Parlamento afegão estuda uma proposta de lei que proíbe camisetas, videogames, música alta e homens e mulheres que não são parentes de andarem juntos na rua. As medidas, propostas há dois meses por alguns deputados, despertam no Ocidente o temor de uma "talebanização" do país, mais de seis anos após a queda do regime fundamentalista islâmico Taleban (1996-2001). No entanto, especialistas consideram que o projeto é a reação de uma sociedade tradicionalmente conservadora à interferência do Ocidente e à liberalização do governo de Hamid Karzai. "O Afeganistão real é 88% rural, onde durante décadas ou séculos pouca coisa mudou. É uma sociedade que vê com desconforto as mudanças e considera ofensivas alguns comportamentos retratados na televisão", declarou ao Estado Marc Herold, professor da Universidade de New Hampshire. No início de abril, o Parlamento aprovou uma lei que proibiu as TVs privadas de transmitir novelas indianas depois que uma emissora mostrou homens e mulheres dançando no mesmo palco durante uma cerimônia de premiação. O Taleban, deposto pelas forças lideradas pelos EUA em outubro de 2001, voltou a controlar amplas áreas entre o sul e o oeste do Afeganistão. Uma pesquisa realizada no ano passado indicou que o grupo tem o apoio de 27% dos moradores das áreas rurais do sul do país. "Essa porcentagem é subestimada, pois a população não manifestará abertamente seu apoio ao Taleban. Mas o endosso a outros grupos que resistem à presença estrangeira é ainda maior do que o do Taleban", disse Herold. O especialista explica que pouquíssimo dinheiro foi investido para o desenvolvimento do país e a população está cansada das promessas dos EUA, da Otan e de Karzai. "Eles só se preocupam com projetos grandiosos, como estradas e shopping centers. Cerca de 600 crianças morrem diariamente no país por problemas sanitários, algo que poderia ser resolvido com pouco dinheiro. Mas essa não é a prioridade, e as pessoas comuns percebem isso." Elisabeth Eide, da Universidade de Oslo, concorda que o apoio aos grupos radicais tem relação com as péssimas condições de vida no sul do país. "A lógica militar é que sem segurança não há desenvolvimento e ajuda. Mas funcionários humanitários dizem o contrário: sem qualidade de vida não haverá segurança, pois o Taleban conseguirá recrutar seguidores com mais facilidade." Para Herold, o Afeganistão vive um impasse político-militar. Nenhuma das partes - os EUA e a Otan, de um lado, e os grupos radicais, do outro - consegue vencer. "A guerra não terminou, e a situação está cada vez pior. Os dois lados continuam em conflito, mesmo que civis sejam atingidos. As forças estrangeiras lançam cada vez mais ataques aéreos, que são mais baratos e provocam menos baixas entre os militares do que as ofensivas terrestres. E os grupos radicais, por sua vez, importam novas técnicas do Iraque e usam os explosivos improvisados e os ataques suicidas." O especialista acredita que as forças da Otan acabarão saindo do Afeganistão antes dos EUA, que então não terão outra opção a não ser partir também. "Mas o farão de uma forma para passar a impressão de que saíram vitoriosos."

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