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Agora, a perestroika do Ocidente

É necessária uma reforma como a dos anos 80 como resposta à crise sistêmica

Por Timothy Garton Ash
Atualização:

Trinta anos atrás, eu caminhava pelas ruas cheias de esperança da Europa central, testemunhando como uma política soviética de reforma chamada “perestroika” trazia incentivo às Revoluções de Veludo de 1989. No ano passado, passei meu tempo nos corredores do Parlamento britânico, em escritórios de governos da Europa Ocidental e na sede do Facebook, no Vale do Silício. Pois agora é o Ocidente que precisa da perestroika.

Theresa May.Não hásaídas fáceis Foto: HO / PRU / AFP

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Este pensamento me veio à mente primeiro quando eu estava sentado em um escritório no câmpus do Facebook, em Menlo Park, vendo os funcionários decidirem o que mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo teriam permissão de ver na plataforma de mídia social.

Eu fora convidado a testemunhar essa reunião de política interna como parte de uma resposta do Facebook a uma onda de críticas, motivada por sua contribuição involuntária ao disseminar o discurso genocida de ódio em Mianmar, o abuso online de mulheres e a desinformação russa que desempenhou um importante papel nas eleições de 2016 nos EUA.

O Facebook é uma superpotência privada e eu me peguei pensando: “Este é o momento de glasnost do Facebook!” – a glasnost sendo a transparência controlada, que era a outra tônica da política do líder soviético Mikhail Gorbachev. Então, pensei que precisávamos da perestroika – ou seja, de uma reestruturação do sistema. 

Então, com colegas das universidades de Oxford e Stanford, procuramos identificar maneiras pelas quais o Facebook pode se tornar um fórum melhor para a liberdade de expressão e a democracia. Nossas recomendações incluem controles mais profundos para os usuários, aperfeiçoamento da verificação de fatos para combater “notícias falsas”, mais revisores de conteúdo com especialistas regionais e um corpo de apelação independente.

Em suma, pedimos ao Facebook que aumente suas obrigações como praça pública digital e tentamos identificar a combinação adequada de regulamentação governamental, autorregulamentação e medidas para a plataforma, que possam fornecer um modelo ocidental coerente para liberdade de expressão e democracia na era da internet.

A perestroika foi uma tentativa centralizada de reformar o sistema comunista, que é uma das razões do seu fracasso. Esta perestroika do Ocidente, em contraste, refere-se à reestruturação da cooperação pluralista de múltiplos interessados, incluindo governos, Parlamentos, empresas, universidades, ONGs e cidadãos.

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É claro que as plataformas de internet são apenas um dos pontos de uma imagem muito maior. Por enquanto, temos uma compreensão boa das causas do que equivale a uma contrarrevolução mundial, antiliberal, muitas das quais se encontram na arrogância do triunfalismo liberal pós-1989. Nós identificamos os problemas – o trabalho agora é abordá-los.

Na semana passada, sentei-me na Câmara dos Comuns britânica para ver o acordo de Theresa May sobre o Brexit ser derrotado. Foi um grande momento parlamentar. Nossos representantes eleitos estão lutando com o conflito de duas lógicas democráticas: da democracia direta e da representativa. Se tivermos sorte, no fim do processo, o Reino Unido poderá emergir para uma relação mais clara entre governo, Parlamento e povo.

Do outro lado do Atlântico, a presidência de Donald Trump apresenta um desafio semelhante, o funcionamento do sistema político dos EUA. Ele emergirá mais forte por ter enfrentado esse teste ou desabará sob a tensão? O capitalismo “financeirizado” que se espalhou após o triunfo ocidental de 1989 trouxe níveis assombrosos de desigualdade aos EUA e ao Reino Unido.

Somente os esforços combinados de empresas, governo e sociedade civil podem enfrentar essa injustiça com os recursos de uma sociedade livre.

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Tão desafiadora é a dimensão cultural do populismo. Aqui, uma grande responsabilidade recai sobre os meios de comunicação, ao reportar com simpatia imaginativa a frustração das pessoas ignoradas e deixadas para trás em nossas sociedades. Pois uma “desigualdade de respeito” agravou a desigualdade de riqueza.

Não menos importante, há a problemática aliança transatlântica que costumávamos chamar de “Ocidente”. Como ator geopolítico, o Ocidente transatlântico tem se enfraquecido desde o desaparecimento de seu inimigo comum, a União Soviética. Com um presidente americano agora criando fantasias sobre os EUA deixarem a Otan, o desafio tornou-se grave. 

Novamente, o Ocidente não pode simplesmente continuar com os negócios de sempre. Ele também precisa de uma perestroika como resposta à crise sistêmica. A perestroika democrática e pluralista do Ocidente será diferente e terá melhores chances de sucesso. Agora, como há 30 anos, tudo depende de indivíduos, aproveitando a chance da crise. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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É PROFESSOR DE ESTUDOS EUROPEUS NA UNIVERSIDADE DE OXFORD

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