Ajuste ameaça sustentação política de De la Rúa

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O pacote de duro ajuste econômico anunciado ontem à noite pelo ministro da Economia, Ricardo López Murphy, transformou a crise econômica argentina em uma grave crise política. Em protesto pelos cortes orçamentários, que atingem a educação e os aposentados e que causarão a demissão de um terço dos funcionários públicos, a centro-esquerdista Frepaso anunciou sua saída dos cargos que mantinha no governo, deixando assim a UCR do presidente Fernando De la Rúa sozinha no comando do país. A Frepaso retirou todos seus integrantes do gabinete De la Rúa: um ministro, uma vice-ministra, o secretário-geral da presidência, além de uma dezena de secretários e subsecretários, deixando o presidente rodeado somente por seus mais fiéis colaboradores. Formalmente, a coalizão de governo permanece, embora na prática ela tenha terminado. O partido comandado pelo ex-vice-presidente Carlos "Chacho" Álvarez removeu seus membros do gabinete, mas anunciou que isto não implica no racha da coalizão de governo "Aliança". No entanto, a Frepaso afirmou que combaterá as medidas no Parlamento, transformando-se assim, embora não oficialmente, em oposição. A permanência formal da coalizão é uma sutileza que a Frepaso está usando para não ser acusada de precipitar uma crise que provocaria o default da Argentina. Dentro da UCR o pacote também causou baixas: o ministro do Interior, Federico Storani, renunciou minutos antes do anúncio das medidas. Além dele, o ministro da Educação, Hugo Juri, renunciou, diante de um corte orçamentário sem precedentes na história de sua pasta. O sistema educativo argentino perdeu 40% das verbas que tinha para este ano. Dessa forma, o ministério não terá dinheiro para pagar os salários dos professores universitários a partir de setembro. Além disso, existe grande expectativa pela posição que o ex-presidente Raúl Alfonsín terá diante deste pacote. Alfonsín, atualmente presidente da UCR, criticou nos últimos dias os "fundamentalistas do mercado", uma alusão direta a López Murphy. Segundo um de seus porta-vozes, o ex-presidente está "furioso" com o pacote. Alfonsín, velho caudilho da UCR, controla a maior parte do partido. Fora da coalizão "Aliança", o maior partido da oposição, o Partido Justicialista (também conhecido como Peronista), anunciou que está em estado de guerra. Na terça-feira, os governadores peronistas, que controlam todas as províncias importantes do país, se reunirão para definir sua posição diante do pacote de López Murphy. Com este panorama, os analistas afirmam que a única saída para De la Rúa seria formar uma aliança com os setores mais conservadores do peronismo, ou seja, um pequeno grupo de deputados vinculados ao ex-presidente Carlos Menem, e com os deputados do Ação Pela República, partido do ex-ministro da Economia, Domingo Cavallo. Ao redor de 98% das medidas serão implementadas por decretos presidenciais. No entanto, o Congresso argentino tem a capacidade de bloquear cada uma dessas medidas, e assim tornar o pacote de López Murphy inaplicável. A batalha de De la Rúa ocorreria na Câmara de Deputados, que possui um total de 257 representantes. A coalizão Aliança possui 114 deputados, o que significa que não tem maioria, mas pelo menos possui a primeira minoria. No entanto, a partir da dissidência da Frepaso, que levaria embora seus 32 deputados, a UCR ficaria sozinha no plenário, contando somente com seus 82 parlamentares. Metade destes, porém, respondem a Alfonsín e possuem posições antagônicas ao neo-liberalismo de De la Rúa. O presidente somente contaria com um eventual apoio do partido de Cavallo, que possui 12 parlamentares. Mas esta ajuda seria insuficiente para que De la Rúa consiga a maioria necessária para impedir que as medidas sejam recusadas no Congresso. Na oposição estariam os 99 deputados peronistas (dos quais 20 "menemistas" poderiam apoiá-lo), e 28 deputados de partidos provinciais, além de 4 socialistas. Nas últimas horas, Cavallo, que era cogitado para ocupar a presidência do Banco Central, já começa a ser comentado como o mais provável substituto de López Murphy, caso este fracasse nas próximas semanas em obter apoio político para seu pacote de ajuste. Calculadamente, Cavallo está omitindo qualquer declaração sobre o pacote de López Murphy. Segundo políticos e analistas, o ex-ministro está "tranqüilo, pois sabe que o tempo está a seu favor".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.