Após eleição na Alemanha, centro-esquerda vai tentar aliança com verdes e liberais para governar

Social-democratas, que venceram a disputa, buscam aliança tríplice para substituir coalizão liderada por Angela Merkel, que deu ao país estabilidade política nos últimos 16 anos

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Por Redação
Atualização:

A Alemanha entrou nesta segunda-feira, 27, em um período de incerteza após uma eleição apertada, em que os dois maiores partidos do país defendem o direito de governar a maior economia da Europa, o que provoca indefinição sobre quem será o sucessor de Angela Merkel.

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Liderados pelo ministro das Finanças e vice-chanceler Olaf Scholz, o Partido Social-Democrata (SPD) é projetado como o vencedor com cerca de 26% dos votos, de acordo com resultados preliminares divulgados pela da Comissão Eleitoral. 

Scholz afirmou nesta segunda que iniciaria as negociações para tentar forjar uma aliança tríplice e liderar o governo pela primeira vez desde 2005. Ao mesmo tempo, o líder da União Cristã-Democrática (CDU), Armin Laschet, afirmou que está pronto para entrar em negociações sobre um governo sem o partido mais votado.

Olaf Scholz acenapara a plateia em sua chegada à sede do partido SPD, em Berlim, um dia após as eleições gerais. Foto: Christof STACHE / AFP

Scholz disse que pretende construir uma coalizão com Os Verdes e o Partido Democrático Liberal (FDP), afirmando que os alemães votaram para enviar os conservadores de Angela Merkel à oposição após 16 anos no poder. "O que você vê aqui é um SPD muito feliz", disse Scholz, de 63 anos, aos apoiadores na sede de seu partido em Berlim, segurando um ramo de flores vermelhas e brancas.

A aliança conservadora da União Cristã-Democrata (CDU), de Merkel, e o partido aliado bávaro, CSU, liderada por Armin Laschet, teve cerca de 24% dos votos, o pior resultado de sua história de sete décadas.

Apesar disso, com os resultados tão próximos, Laschet indicou na noite de domingo que faria "todo o possível" para formar ele mesmo uma coalizão governante. Na segunda-feira, a liderança conservadora reconheceu ser parcialmente responsável pelo fraco desempenho de seu partido na eleição, mas disse que está pronto para entrar nas negociações de coalizão de qualquer maneira. "Nenhum partido pode obter um mandato claro do governo a partir desse resultado", disse.

Mas mesmo dentro de seu próprio partido, Laschet enfrentou dúvidas sobre esses planos na segunda-feira. "Foi uma decisão clara contra os [democratas-cristãos]", disse Michael Kretschmer, o líder democrata-cristão do estado federal da Saxônia. "Acima de tudo, o que é importante para mim agora é que se aceite esta derrota e resulte com humildade", disse ele, sugerindo que a resposta combativa do partido na noite de domingo definiu "o tom errado" e pode ter refletido uma "atitude geral errada".

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Na sequência da corrida eleitoral alemã aparecem o Partido Verde, em terceiro lugar, com 14,8%, seguido pelo Partido Democrático Liberal (FDP) com 11,5% e a formação de extrema-direita Alternativa para Alemanha (10,3%).

Na Alemanha, não são os eleitores que escolhem diretamente o chefe de governo, e sim os deputados, uma vez formada a maioria.

Mas desta vez, alcançar a maioria será algo especialmente complicado, pois deve reunir três partidos — a primeira vez que isto acontece desde a década de 1950 — devido à fragmentação do voto.

“Os eleitores falaram muito claramente ... Eles fortaleceram três partidos — os social-democratas, os verdes e o FDP — e, portanto, esse é o recado claro que os cidadãos deste país deram — esses três deveriam formar o próximo governo”, disse Scholz.

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A recuperação do SPD marca uma tentativa de renascimento dos partidos de centro-esquerda em partes da Europa, após a eleição do democrata Joe Biden como presidente dos EUA em 2020. O partido de oposição de centro-esquerda da Noruega também ganhou uma eleição no início deste mês.

“Começa a partida de pôquer”, destaca a revista Der Spiegel. “Depois da votação, as perguntas essenciais permanecem em aberto: Quem será o chanceler? Que coalizão governará o país no futuro?”.

Para um país acostumado à estabilidade política após 16 anos sob a liderança firme de Merkel, os próximos meses devem representar um período conturbado.

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A chanceler, que não buscou um quinto mandato, permanecerá no papel de interlocução durante as negociações da coalizão que definirão o curso futuro da maior economia da Europa.

Tanto Scholz, como Laschet, 60, afirmaram que pretendem ter um governo formado antes do Natal.

Ajuda ao investidor

A Bolsa de Frankfurt também parece acreditar na possibilidade e hoje abriu em alta de mais de 1%.

As ações alemãs subiram nesta segunda, com investidores satisfeitos com o fato de o FDP, pró-negócios, provavelmente se juntar ao próximo governo, enquanto a extrema-esquerda Linke não ter conseguido ganhar votos suficientes para ser considerada parceira da coalizão.

“Do ponto de vista do mercado, deve ser uma boa notícia que uma coalizão de esquerda seja matematicamente impossível”, disse Jens-Oliver Niklasch, economista do LBBW, acrescentando que outros partidos têm o suficiente em comum para chegar a um acordo de trabalho.

“Personalidades e posições ministeriais provavelmente serão mais importantes no final do que políticas.”

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CDU na oposição

Nesta segunda-feira, Scholz decidiu pressionar os conservadores e afirmou que o lugar deles é a oposição.

“A CDU e a CSU não apenas perderam votos, também receberam a mensagem dos cidadãos de que não devem mais estar no governo, e sim na oposição”, declarou o líder social-democrata.

Os alemães “querem uma mudança no governo e [...] também querem que o próximo chanceler se chame Olaf Scholz”, disse algumas horas antes.

Mas os conservadores, apesar do resultado “decepcionante”, destacaram que também pretendem formar o próximo governo, advertiu Laschet.

“Faremos o possível para construir um governo dirigido pela união CDU-CSU”, declarou o candidato democrata-cristão.

As eleições apresentaram resultados muito divididos, o que significa que os partidos majoritários precisarão do apoio de outras duas formações para conseguir uma coalizão com peso suficiente para governar. 

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Cartazes da chanceler alemã Angela Merkel e Armin Laschet, o principal candidato da CDU, na fachada da sede do partido após as eleições. Foto: AP Photo/Markus Schreiber

Paralisação política

O processo de definição do novo governo pode levar a maior economia europeia a um longo processo de paralisação política durante as negociações entre os partidos.

Após as eleições de 2017 foram necessários mais de seis meses para um acordo e a formação da atual grande coalizão de conservadores e social-democratas.

Para os democratas-cristãos, as “perdas são amarga”, admitiu Paul Ziemak, número dois da CDU. O partido nunca havia registrado menos de 30% dos votos. Em 2017 obteve 32,8%.

Uma demonstração da queda: a circunscrição de Angela Merkel, pela qual ela foi eleita deputada desde 1990, foi vencida pelo SPD.

Os resultados projetam um renascimento inesperado do Partido Social-Democrata, considerado moribundo por alguns analistas há pouco tempo.

Um declínio desta dimensão dos conservadores ofusca o fim de governo de Merkel, que apesar de continuar muito popular após quatro mandatos, parece ter sido incapaz de preparar sua sucessão.

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As negociações talvez adiem a aposentadoria efetiva da chanceler, de 67 anos, que dedicou mais de três décadas à política.

A França, que assume a presidência temporária da União Europeia (UE) no início de 2022, pediu a formação rápida de um governo “forte” na Alemanha.

Uma disputa entre Washington e Paris sobre um acordo para a Austrália comprar submarinos dos EUA em vez de franceses colocou a Alemanha em uma situação difícil entre aliados, mas também deu a Berlim a chance de curar relações e ajudar a repensar uma posição comum do Ocidente em relação à China.

Na política econômica, o presidente francês, Emmanuel Macronestá ansioso para forjar uma política fiscal europeia comum, que os verdes apoiam, mas a CDU/CSU e o FDP rejeitam. Os verdes também querem “uma ofensiva de expansão massiva para as energias renováveis”.

Quem terá a chave do governo? 

O Partido Verde, liderado por Annalena Baerbock, que durante algum tempo foi considerado favorito, tem apoio suficiente para influenciar a definição do próximo governo.

Da mesma maneira, os liberais do FDP conquistaram apoio suficiente para ter a chave do governo e virar uma presença inevitável de uma futura coalizão.

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Uma coisa é certa: o futuro governo não incluirá a Alternativa de extrema-direita para a Alemanha (AfD), cuja entrada no Bundestag nas eleições de 2017 foi muito comentada. Porém, o partido marcou entre 10% e 11% dos votos, este partido islamofóbico, enfraquecido por seus problemas internos, registraria um leve retrocesso na comparação com o pleito anterior (12,6%).

Os resultados preliminares apontam para duas opções de coalizão - apelidadas por várias combinações de cores partidárias - que são politicamente palatáveis ​​para Laschet ou Scholz. Uma é a coalizão de "semáforo" entre os sociais-democratas (vermelho), os verdes e os democratas livres (amarelo). A outra é a aliança "Jamaica", uma referência a bandeira do país caribenho: liderada pelos democratas-cristãos (negros) e incluindo os verdes e os democratas livres.

Tanto a coalizão "semáforo" quanto a coalizão "Jamaica" - ambas chamadas dessa maneira por seus respectivos líderes - incluiriam os Verdes, e o partido pretende alavancar o que puder em sua questão central, as mudanças climáticas, nas negociações. Falando na rádio pública, o co-líder do partido, Robert Habeck, exigiu mais ações sobre mudanças climáticas e desigualdade social por parte do próximo governo, o que pode sugerir que seu partido preferiria governar com os Sociais-Democratas e os Democratas Livres.

Mas não está claro se os democratas livres ingressariam em tal coalizão. Um porta-voz da política interna do partido, Konstantin Kuhle, disse "que com os resultados de ontem, a Jamaica se tornou mais provável, em comparação com as três semanas anteriores".

Batalha na CDU? 

De acordo com uma pesquisa YouGov, a maioria dos eleitores apoia uma coalizão de centro-esquerda, ecologistas e liberais. E 43% acreditam que Olaf Scholz deve ser chanceler.

A opção de uma coalizão puramente de esquerda, no entanto, parece descartada. O partido de esquerda radical Die Linke teve resultados muito reduzidos, segundo as estimativas.

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Após uma campanha caótica marcada por suas gafes, Laschet terá que mostrar muita persuasão. Seu último erro: ao depositar o voto na urna, ele mostrou a cédula diante das câmeras, quebrando a regra de que o voto deve ser secreto.

O fim da era Merkel pode resultar em uma nova guerra na direita alemã, com a liderança de Laschet questionada, oito meses após sua eleição para comandar o partido. /AFP, REUTERS e NYT

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