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Aliança dá favoritismo a ex-membro da Irmandade

Fotouh, que conseguiu unir setores da esquerda laica e os radicais salafistas, posa como pós-islâmico, mas defende a sharia como marco legal do Egito

Por Roberto Simon e Cairo
Atualização:

CAIRO - Dezenas de milhares de pessoas com camisetas e bandeiras laranjas ocuparam nesta sexta-feira, 18, a pequena Ilha de Zamalek, região do Cairo onde o Rio Nilo se divide em dois, para ver um dos últimos comícios de Abdel Moneim Abou Fotouh.Candidato às eleições presidenciais de terça e quarta-feira, Fotouh costurou uma aliança improvável: recebeu apoio tanto de setores da esquerda laica quanto dos salafistas, os ultrarradicais islâmicos. Essa mistura fez dele o favorito na disputa entre os veteranos da Praça Tahrir.A visão da multidão laranja andando pelas ruas causava estranheza entre moradores da capital egípcia. "Nunca tinha visto um comício assim organizado, com cartazes e alto-falantes, que não fosse do PND", disse ao Estado o segurança de rua Heni Nasr, de 34 anos, referindo-se ao extinto Partido Nacional Democrático, do ex-ditador Hosni Mubarak. Até fevereiro de 2011, quando o antigo regime ruiu, o PND reunia multidões para demonstrar sua legitimidade e caráter popular. Hoje, o prédio do partido, na Praça Tahrir, está queimado e vazio.Nasr conta que viveu os dias de luta na praça contra as forças do ditador. "Cheguei a ficar ferido na perna", completa. Mas surpreende ao anunciar sua escolha de candidato: Amr Moussa, o homem que foi ministro de Mubarak por mais de dez anos. O vigia argumenta que Fotouh é um político islâmico, formado nos quadros da Irmandade Muçulmana, com a qual rompeu "apenas" para se candidatar. "O pior que pode acontecer é termos um presidente radical islâmico", afirma. Questionado sobre a contradição de votar no ex-ministro do ditador que ele lutou para derrubar (e lhe feriu a perna), ele rebate: "Moussa discordava de Mubarak e sempre foi contra Israel. Além do mais, ele sabe que, se sair da linha, terá de lidar com a Praça Tahrir".Os sinais emitidos por Fotouh são de fato contraditórios. Setores laicos que o apoiam afirmam que ele é "pós-islâmico", alguém capaz de unir grupos tão distintos quanto os que depuseram Mubarak. Mas, no único debate na TV, entre ele e Moussa, Fotouh repetiu várias vezes que a sharia (lei corânica) deve ser o marco legal do novo Egito e prometeu um "Estado democrático com a sharia acima de tudo".Ontem, na manifestação em Zamalek, a esmagadora maioria das mulheres usava o véu que esconde os cabelos. Mas não havia partidárias de Fotouh com o niqab – que deixa apenas os olhos de fora –, tampouco militantes dos ultrarradicais salafistas, facilmente identificáveis pelas barbas espessas e as túnicas longas.O temor de setores laicos do Egito com os grupos islâmicos cresceu desde o fim do ano passado, quando as eleições legislativas deram mais de 70% do Parlamento aos religiosos e ultrarreligiosos. Mas pesquisas indicam que a popularidade desses partidos está declinando, justamente porque eles passaram a ter as responsabilidades que o poder político traz. Uma sondagem divulgada esta semana pelo Instituto Gallup mostra que, em fevereiro, 63% dos egípcios diziam "apoiar" a irmandade. Em abril, o número caiu para 42%. No mesmo período, os salafistas foram de 37% para 25%. 

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