Aliança das Civilizações ignora temas polêmicos

Texto do fórum mundial, no Rio, defende a necessidade de negociações para resolver conflitos, mas não cita questões como a palestina e o Irã

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Por BRUNO BOGHOSSIAN E WILSON TOSTA e COM AFP E EFE
Atualização:

Sem representantes de primeira linha dos países desenvolvidos, a Aliança de Civilizações das Nações Unidas encerrou ontem seu 3.º Fórum Mundial com um documento final que não aborda assuntos polêmicos, como o acordo nuclear do Brasil e da Turquia com o Irã, a questão palestina e a proposta de uma nova ordem mundial. Em tom genérico e ameno, o texto reitera a necessidade de negociações como forma de solucionar conflitos, "reforça a necessidade do entendimento entre culturas diferentes; reconhece a importância do diálogo; apoia o desenvolvimento de processos regionais de cooperação; e pede a adoção total das declarações feitas no Fórum do Rio"."A declaração é resultado de sessões de trabalho que abordaram as mais intrincadas temáticas", disse o Alto Representante da ONU para a Aliança, o ex-presidente português Jorge Sampaio. O grupo se reunirá em Doha, no Catar, em 2011, e em Viena, na Áustria, em 2012.A própria programação oficial do fórum evitou a polêmica, que, no entanto, marcou discursos de chefes de governo. Na sexta-feira, nos pronunciamentos de abertura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, defenderam o acordo que negociaram com o Irã para troca de urânio no exterior por combustível para um reator de pesquisas médicas. O governo de Teerã é acusado pelas grandes potências de desenvolver um programa de armas nucleares. Com discursos em tom duro, Lula e Erdogan também cobraram o desarmamento dos países que têm armas atômicas."Defendemos um planeta livre de armas nucleares e o pleno cumprimento, por todos os países, das determinações do Tratado de Não-Proliferação", insistiu Lula. "Quem assume posições contra o Irã tem armas atômicas, mas não podemos atingir a paz com a proliferação dessas armas", afirmou Erdogan. Mas, no documento final, essa questão - que não era objeto das discussões oficiais da reunião - não foi mencionada.Entre os chefes de governo que compareceram ao encontro, estavam os presidentes da Bolívia, Evo Morales, da Argentina, Cristina Kirchner, e o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates. Os três aproveitaram a oportunidade para conversar com o presidente Lula.Debates. Em seu último dia, o 3.º Fórum da Aliança de Civilizações manteve um amplo foco de debates, que foi da ordem mundial à alfabetização midiática, passando por migrações e pela ajuda ao Haiti. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, disse que a comunidade internacional perdeu uma oportunidade de reorganizar-se após os ataques de 11 de setembro de 2001."No princípio, existiu a ideia de oportunidade", disse Insulza. "Infelizmente, isso não prosperou, ficou nas palavras, somente. A resposta foi bem inversa. Houve a guerra do Iraque. Houve um aumento das tensões em todas as partes do mundo. E não houve nenhuma solução para o conflito árabe-israelense. Portando, a oportunidade não foi aproveitada. Tampouco se considerou necessário mudar a estrutura política mundial. Estou muito de acordo que ela está completamente obsoleta."Insulza afirmou que, alguns anos depois, surgiu uma "segunda oportunidade", com a crise econômica mundial de 2009. "E até certo ponto pareceu que algo mais foi aproveitado", afirmou. "Pelo menos, passamos do G-8 para o G-24. No entanto, a estrutura financeira permanece igual." Para ele, após a crise surgiu uma "nova realidade mundial", com novos polos de poder nos BRICs, o grupo de países emergentes formados por Brasil, Rússia, Índia e China.Já o ministro das Relações Exteriores da Turquia, Ahmet Davutoglu, pediu novas instituições que evitem grandes crises. Ele citou como exemplo a questão nuclear iraniana. "Temos de ser proativos para prevenir o surgimento de crises", afirmou.Haiti. O primeiro-ministro haitiano, Jean-Max Bellerive, declarou que as dificuldades enfrentadas pelo país nos últimos anos representam um "fracasso" das ações de cooperação da comunidade internacional. Para o líder haitiano, a ajuda recebida pelo Haiti em sua história recente não teve os efeitos necessários. Segundo Bellerive, apesar de ter devastado Porto Príncipe, o terremoto de 12 de janeiro deu novas esperanças para o desenvolvimento do país."Antes do terremoto, as atividades de cooperação internacional não estavam atingindo seus objetivos. Então veio o 12 de janeiro e o mundo inteiro uniu-se em uma corrente de solidariedade", afirmou o primeiro-ministro. "Agora, podemos atingir essa integração que falhou durante décadas. Os desafios são os mesmos, mas as esperanças são completamente diferentes."

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