Aliança entre ativistas e partidos dá sinais de desgaste no Egito

Para a mídia e analistas, manifestantes se ressentem da falta de apoio dos grupos políticos, que se preparam para eleições.

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Por Tariq Saleh
Atualização:

A nova onda de protestos na praça Tahrir, no centro do Cairo, colocou em evidência o distanciamento cada vez maior entre ativistas egípcios que querem derrubar a junta militar do poder e os partidos políticos de oposição. Segundo jornais locais e analistas, os manifestantes se mostram ressentidos com a pouca ou falta de apoio dos grupos políticos egípcios. Em alguns gritos na praça Tahrir ou em entrevistas para a mídia, manifestantes acusam os partidos políticos de priorizarem seus próprios interesses e de não dar apoio aos jovens que confrontam a polícia e são, segundo alegam, "atacados de forma violenta". Após um protesto pacífico em 18 de novembro, um acampamento de ativistas na praça Tahrir foi invadido pelas forças de segurança egípcias, inciando uma série de confrontos e um aumento das manifestações contra o governo. A nova onda de violência já deixou ao menos 35 mortos e centenas de feridos. Com eleições parlamentares marcadas para esta segunda-feira, muitos manifestantes exigiram o cancelamento do pleito, mas alguns partidos - incluindo a Irmandade Muçulmana, maior movimento político do Egito - declararam que querem que a votação siga normalmente como o planejado. Ao longo da semana, com o aumento no número de feridos e nas cenas de violência, muitos partidos se limitaram a discursos de condenação aos métodos da polícia. Um ativista, Rames al Diyan, disse que se sentia vendido pelos partidos - que, na sua opinião, estavam mais preocupados em eleger seus parlamentares do que em exigir a saída da junta militar, acusada de querer acumular poderes mesmo após a eleição de um governo civil. "Eles (os partidos) só estão interessados em se beneficiar do nosso sangue nas ruas. Parece que só estão usando a nossa determinação na praça Tahrir como plataforma política para seus candidatos", acusou al Diyan. Irmandade Durante os protestos em janeiro e fevereiro deste ano, que tiraram do poder o presidente Hosni Mubarak, os partidos políticos de oposição, incluindo a Irmandade Muçulmana, estiveram lado a lado com jovens ativistas e movimentos pró-democracia e de direitos humanos. "A presença dos partidos políticos ajudou a dar mais força aos protestos contra Mubarak", disse o cientista político Bahgat Korany, da Universidade Americana do Cairo. Segundo ele, a situação atual é muito diferente, pois há um processo político em andamento e diversos grupos, de ativistas a partidos, com interesses variados. "Não se pode esperar que ativistas e políticos sigam a mesma lógica", salientou. A presença de simpatizantes e políticos dos partidos na praça Tahrir está significativamente inferior em comparação com os protestos do início do ano. Na entrada da praça, várias faixas avisam que estão proibidos slogans e declarações partidárias e que os protestos são de "uma voz unida em torno de uma luta de soberania para o povo do Egito". Vários políticos que foram à praça recentemente foram recebidos com vaias e com hostilidade pelos manifestantes acampados no local. A Irmandade Muçulmana divulgou um comunicado em que se defendia da decisão de não apoiar os protestos na Tahrir, dizendo que "queria evitar qualquer potencial para confrontos que poderiam resultar em muitas mortes". O movimento também acusou algumas forças políticas de querem "atrair a Irmandade para confrontos com ativistas para prejudicar o processo eleitoral". 'Alienados' Os candidatos do partido político criado pela Irmandade Muçulmana, o Justiça e Liberdade, são apontados como favoritos no pleito desta segunda, e há a expectativa que tenham a maioria no Parlamento. Para completar a impressão do abismo que está se criando entre partidos e revolucionários na praça Tahrir, Mohamed Taman, um dos porta-vozes do Conselho da Revolução de 25 de Janeiro, formado por diveros grupos de direitos humanos, democracia e juventude, disse à imprensa egípcia que "era óbvio que os partidos políticos não fariam nada que ameaçasse as eleições, que são uma oportunidade de ouro para eles". "Isso só os deixa completamente alienados com o que está acontecendo na praça Tahrir, onde o povo quer e luta pela queda da junta militar", declarou Taman. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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