Ameaça iraniana dissuadiu Obama, diz Hezbollah

Teerã se preparou para lançar ofensiva militar contra Israel caso americanos atacassem a Síria, afirma membro de grupo xiita

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Por Lourival Sant'Anna e BEIRUTE
Atualização:

O recuo do presidente Barack Obama com relação a um ataque à Síria e o plano russo de desmantelamento das armas químicas começaram a tomar corpo numa visita a Teerã do subsecretário da ONU para Assuntos Políticos, o diplomata americano Jeffrey Feltman, no dia 26. Segundo um alto funcionário do grupo xiita Hezbollah, o chanceler iraniano Javad Zarif avisou que, se a Síria fosse bombardeada pelos Estados Unidos, o Irã atacaria Israel.

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De acordo com essa fonte, Feltman, que até junho do ano passado era secretário assistente do Departamento de Estado americano para o Oriente Médio, foi tentar convencer o Irã a não reagir a um ataque limitado contra o seu aliado, mas não conseguiu. Em vez disso, o Irã ofereceu a saída do banimento das armas químicas.

No dia seguinte à visita de Feltman, o novo presidente iraniano, Hassan Rouhani, escreveu no seu twitter: "O Irã pede à comunidade internacional que use todo seu poder para prevenir o uso de armas químicas em qualquer lugar do mundo, especialmente na Síria". Rouhani lembrou que o Irã foi vítima de armas químicas na guerra contra o Iraque (1980-88).

Era a senha para a solução apresentada no dia 9 pela Rússia, que também foi avisada de que o Irã e o Hezbollah atacariam Israel, em caso de intervenção americana na Síria. De acordo com a fonte ouvida pelo Estado, o regime iraniano estipulou como prioridade número 1, para o Hezbollah, por ele patrocinado, defender o regime sírio - cuja queda poderia ser precipitada pela intervenção dos EUA. A perda de um aliado na Síria, e sua substituição por um regime sunita sob influência da Arábia Saudita, rival regional do Irã, é considerada uma ameaça existencial pela teocracia iraniana, segundo o funcionário do Hezbollah.

O grupo xiita tem entre 3 mil e 4 mil combatentes na Síria, disse a fonte (Samir Haddad, do Observatório Sírio dos Direitos Humanos, estimou esse número em 5 mil). Ele disse que Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, costuma ir à Síria, motivar suas tropas. "Ele foi a Qusair", exemplifica, referindo-se à cidade cristã no oeste da Síria, ocupada pela Frente Al-Nusra, ligada à Al-Qaeda, e retomada em junho pela Síria, com ajuda da milícia xiita. O Hezbollah está treinando civis na Síria engajados nos Comitês Populares de Defesa, seguindo o modelo iraniano dos Haras e Taabia, que são milícias de apoio ao regime. "O Exército sírio está aquartelado, não está lutando", explicou. "A maioria dos soldados é sunita, e não obedece ordens de enfrentar os rebeldes (também sunitas na sua maioria)."

Daí a importância de a Síria atacar Israel: o Exército sírio se uniria de novo, contra esse tradicional "inimigo comum". Segundo o alto funcionário, que, como todos no Hezbollah, não está autorizado a dar entrevistas sobre questões militares envolvendo a Síria, Bashar Assad em princípio não queria atacar Israel. O Irã lhe deu um ultimato, avisando que, juntamente com o Hezbollah, atacaria Israel, com ou sem a participação síria.

"Mesmo que vocês não ataquem, eu vou atacar", teria garantido Assad. Segundo o funcionário, a Síria tem mísseis suficientes para atacar Israel durante seis meses. Ao ver a determinação do Irã, a Rússia teria percebido o risco de perder influência, e saído de sua omissão em caso de ataque americano à Síria, prometendo fornecer armas a seu aliado e deslocando mais navios para a região.

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Na visão do Irã e do Hezbollah, seria uma guerra devastadora, mas a única forma de preservar a integridade da Síria, deixando de lado as divisões sectárias para enfrentar o vizinho odiado por todos. "O Hezbollah está muito bem armado para essa guerra", disse o funcionário. "Em 2006 (na guerra contra Israel), tínhamos foguetes katiushas, que batiam numa parede e caíam no chão. De lá para cá, o Hezbollah recebeu muitas armas do Irã. Agora, temos mísseis que derrubam um prédio inteiro." Com US$ 1 bilhão doado pelo Irã, o Hezbollah reconstruiu os bairros xiitas devastados pelos bombardeios israelenses em Beirute, no Vale do Bekaa e no sul do Líbano. Ele estima que o grupo tenha 50 mil combatentes (metade do efetivo do Exército brasileiro).

O Hezbollah recebe armas e ajuda financeira pela via terrestre, passando pelo Iraque - cujo governo também é pró-iraniano - e pela Síria. Mas o funcionário disse que essa não é razão principal para defender o regime de Assad: "O Irã consegue enviar ajuda para o Hamas, na Faixa de Gaza". Na visão do Hezbollah, a ameaça, com a queda de Assad, é a instalação de um regime sunita na Síria, hostil à teocracia xiita do Irã.

Segundo o funcionário, todos os 15 integrantes do conselho que assiste o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, concordam que a milícia deve atacar Israel se os EUA intervirem na Síria. "Mas o plano russo é bom", concluiu ele. "A Síria não precisa mais de armas químicas, como no início dos anos 80. E o plano preserva o regime de Assad sem a necessidade de uma guerra, na qual todos sairiam perdendo."

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