ANÁLISE: A fragmentação da política israelense

Dissolução de legendas de centro e ambiente interno e externo conturbados podem fazer com que o novo governo não dure

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Por Samuel Feldeberg
Atualização:

Pode-se dizer tudo do processo eleitoral israelense, menos que seja monótono e qualquer análise do cenário torna-se obsoleta em menos de 24 horas. O que começou no final de novembro, com a declaração de Ehud Barak de que se retiraria da vida política (leia-se não se candidataria às próximas eleições) culminou, no momento em que estas linhas são escritas, com a saída de Amir Peretz do Partido Trabalhista, para juntar-se ao novo partido da ex-líder do Kadima Tzipi Livni.

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A pergunta que todos se fazem é como o partido mais votado nas últimas eleições, que não conseguiu formar um governo nem consolidar-se como oposição, sofre agora uma implosão que o tornou insignificante e conseguiu somente desestruturar o centro do espectro político.

A renúncia de Barak foi sintomática do que vem ocorrendo com os partidos de centro-esquerda e de seu reconhecimento de que não sobreviveria politicamente às próximas eleições. Se, como esperado, Benyamin Netanyahu for o vencedor, Barak ainda poderia manter-se como ministro da Defesa, desde que o posto não fosse exigido (o que é pouco provável) por algum membro da coalizão do Likud. As listas que definem os candidatos de cada um dos principais partidos dão uma clara indicação do resultado que se pode esperar:

1) Um Partido Trabalhista enfraquecido, que busca entre seus eleitores até mesmo a direita moderada e não nega a possibilidade de juntar-se a ela para compor o governo. O partido Meretz, que obteve somente 3 dos 120 lugares no ultimo Parlamento, ainda representa a autêntica esquerda remanescente.

2) Uma direita cada vez mais extremista, com uma união formal do Likud e do partido de Avigdor Liberman, mas agora sem a participação de elementos experientes como Danny Ayalon, que atuou de facto durante os últimos anos como ministro das Relações Exteriores.

3) Um novo partido liderado por Tzipi Livni, que congrega os descontentes, do Kadima e dos Trabalhistas, por enquanto só conseguiu minar as finanças dos dois partidos, retirando deles parte do financiamento eleitoral.

4) Os partidos religiosos, aliados naturais da direita, que se opõem à retirada da Cisjordânia e demandam da sociedade subsídios cada vez mais escorchantes.

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No entanto, não somente o panorama político vem sendo afetado. Há também, nas decisões de política externa, um importante componente relacionado às eleições: tanto a recente ação na Faixa de Gaza, quanto as reações ao evento palestino nas Nações Unidas podem ser vistos por meio da ótica eleitoral. Críticos do ataque israelense que assassinou um líder do Hamas antes da intensificação no lançamento de foguetes alegam que negociações vinham sendo conduzidas para o estabelecimento de um cessar-fogo de longo prazo.

Do outro lado, alega-se que o líder assassinado era o responsável pela aquisição junto ao Irã de foguetes de longo alcance e suas atividades tinham de ser interrompidas antes que o arsenal se tornasse ainda mais perigoso. O fato é que as operações encerraram-se muito antes das eleições, a um custo relativamente baixo e num impasse que permite ao governo apresentar-se como vitorioso frente à opinião pública.

O desafio criado pelo reconhecimento por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas da Palestina como estado observador foi respondido de forma espasmódica pelo governo israelense: o anúncio da construção de novas unidades residenciais em áreas que se destinariam a um futuro Estado palestino (E-1, a leste de Jerusalém) somente se justifica como um elemento de pressão eleitoral para garantir os votos da direita dura do Likud. Especialmente se for levada em conta a enorme pressão sofrida no exterior pelo atual governo.

As eleições ocorrem ainda em um Oriente Médio conturbado. O presidente egípcio tem de atender ao mesmo tempo a seus clientes do Hamas e à pressão da oposição laica, que teme uma tomada de poder pelos fundamentalistas da Irmandade Muçulmana. Na Síria, continua a aumentar a eficiência dos rebeldes e o número de vítimas entre os civis, com a queda de Assad mais provável e levantando dúvidas sobre o que virá em seu lugar. O Irã continua a desenvolver seu programa nuclear e após as eleições, qualquer que seja o novo governo, o tema voltará à pauta, seja por meio de uma intensificação das sanções contra o país a ponto de sufocá-lo, seja através de um ataque contra suas instalações nucleares.

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Os palestinos, agora com sua moral fortalecida tanto pela decisão da ONU quanto pela percepção de uma vitória em Gaza (foguetes lançados até o final da operação e ausência de soldados israelenses em terra), provavelmente intensificarão suas demandas, talvez criando um governo unificado com uma retórica que dificultaria muito a ação de um governo liderado pelo Likud.

Que novo cenário, então, aguarda o novo governo de Israel? Para enfrentar os desafios apresentados pela sociedade israelense, existe a expectativa de uma política econômica mais equilibrada, levando em conta as condições de vida e de segurança econômica da população, reflexo das manifestações populares do ano passado. As demandas por moradias a preços acessíveis e por diminuição na disparidade da renda refletiram-se na lista de candidatos do partido trabalhista - que inclui os líderes daquelas manifestações -, mas exigiriam do futuro governo recursos que não estão disponíveis.

Também por essa razão estima-se que, ainda que Netanyahu vença as eleições, seu governo será curto e instável, minado pelas contradições entre as pressões internas e externas. Tanto Livni, quanto o ex-primeiro ministro Ehud Olmert estarão torcendo para que o novo governo não dure muito.

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SAMUEL FELDBERG É PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO NÚCLEO DIVERSITAS DA USP E DAS FACULDADES RIO BRANCO E É PESQUISADOR DO CENTRO DAYAN PARA ESTUDOS DO ORIENTE MÉDIO DA UNIVERSIDADE DE TEL-AVIV

 

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