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Análise: Carta de Ahmadinejad acaba com esperanças dos EUA

Alguns analistas vêem a carta como um sinal de um possível embate de forças no Irã

Por Agencia Estado
Atualização:

O presidente iraniano tirou um ás da manga no seu jogo com o Ocidente ao enviar, nesta segunda-feira, uma carta ao presidente norte-americano George W. Bush propondo "novas soluções" para a crise nuclear - uma proposta diplomática que complicou amplamente a esperança dos EUA de que o Conselho de Segurança da ONU imponha sanções para punir a nação islâmica. Alguns analistas vêem a carta como um sinal de um possível embate de forças no Irã. Enquanto Mahmoud Ahmadinejad não revelar o que escreveu ao líder americano, somente a existência da carta parece oferecer à Rússia e à China mais motivos para bloquear as sanções norte-americanas enquanto os canais diplomáticos permanecerem abertos. Ambos os países têm poder de veto no Conselho de Segurança da ONU e já se opuseram às sanções. O embaixador americano para as Nações Unidas John Bolton não acredita que a carta seja uma tentativa de quebrar a pressão internacional. "Não me surpreende que ela apareça em um dia como hoje, na semana em que esperam que se vote uma resolução. Os iranianos estão sempre interessados em conversar após alguém pressioná-los", disse. "Então, quando a pressão diminuir um pouco (...) eles voltam a buscar armas nucleares." Mark Fitzpatrick, do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, em Londres, afirmou que a jogada de Ahmadinejad foi "uma astuta tática de negociação". "É difícil para os americanos conseguirem os 15 votos (um resultado unânime) no Conselho de Segurança se eles não dialogam com os iranianos", disse Fitzpatrick. A carta foi particularmente vista como uma possível janela em um conflito de poder na hierarquia iraniana, ele afirmou. "Há apenas duas semanas, Ahmadinejad afirmou que não havia necessidade de conversar com os americanos sobre o Iraque. (...) Mas agora você tem Ahmadinejad querendo conversar. Isso pode evidenciar uma manobra interna sobre quem consegue entregar os americanos", disse Fitzpatrick. Washington esperava que seu embaixador no Iraque, Zalmay Khalilzad, falasse com os iranianos sobre a diminuição da influência de Teerã na vizinhança caótica do Oriente Médio. Muitos que agora estão no topo da liderança política e religiosa do Iraque passaram anos no exílio no Irã durante o governo de Saddan Hussein. Por causa disso, é crescente a preocupação de que o Irã ganhou influência em Bagdá por causa dos exilados. Do mesmo modo que a carta do líder iraniano surpreendeu a comunidade internacional, ela também chocou alguns iranianos. "Perdi uma aposta quando as notícias da carta apareceram. Dada a posição de Ahmadinejad, eu apostei com amigos que o Irã nunca iniciaria conversações de paz com os Estados Unidos", disse Hamid Ghargouzloo, um engenheiro de 57 anos que estudou na Universidade Estadual do Texas durante a década de 1970. Farhad Kafi, um ex-embaixador dos Estados Unidos no Irã de 68 anos, elogiou a tentativa de conversa de Ahmadinejad e relembrou a época em que Washington e Teerã tinham um relacionamento melhor. "Foi uma sábia e brava decisão. Sei que levará um tempo até que os EUA e o Irã se entendam. Não importa o que a carta diz, isso pode ser o fim das hostilidades." A carta de Ahmadinejad também garante que ele ganhará tempo - um produto muito valioso se o Irã pretende construir uma bomba atômica, como afirma os EUA. Até agora o Irã teve capacidade de enriquecer pequenas quantias de urânio a um nível que, em quantidade suficiente, pode abastecer um reator nuclear para gerar eletricidade. Segundo todas as estimativas, Teerã precisaria de vários anos para produzir uma ogiva nuclear. Porém, se o Irã está tentando ganhar tempo, Ahmadinejad e outros no governo e na comunidade científica precisam apenas focar suas atenções para a Coréia do Norte, que conseguiu parar os Estados Unidos e as intervenções internacionais à medida que construiu várias ogivas - mesmo quando o país estava avariado economicamente. Sem se preocupar com a motivação, Ahmadinejad usou o caso nuclear para elevar o orgulho nacional e construir um aval para sua política de linha dura em uma nação onde suas afiadas políticas anti-ocidente e antiamericana estão perdendo apoio. Sua retórica cheia de ódio e sua insistência no direito iraniano de enriquecer urânio conseguiu desviar a atenção da população jovem, desencantada com seu fundamentalismo islâmico puritano. Washington parece não querer dar nenhuma chance para o Irã, possivelmente por acreditar que Ahmadinejad não pode resistir às dinâmicas internas e externas que, segundo acredita o líder iraniano, estão contra ele. Mas Ahmadinejad está cheio de dinheiro advindo do petróleo e, até agora, conseguiu frustrar as tentativas americanas de inspirar um boicote internacional contra o Irã. Com mais trunfos nas mangas, o líder iraniano parece ter conseguido achar um caminho para o diálogo - que pode produzir um resultado satisfatório para ambos os lados.

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