30 de setembro de 2019 | 05h00
Se você acha que foi uma transgressão passível de impeachment, devemos concordar que o que Donald Trump fez foi errado? Ele pressionou um governo estrangeiro a investigar um rival. Isto é bem diferente da investigação no caso da Rússia, para saber se Trump conspirou com o Kremlin.
No caso da Ucrânia, o presidente é acusado de usar o poder dos EUA – que faz uma diferença de vida ou morte para a Ucrânia – para ganho pessoal.
Infelizmente, isto faz parte de um padrão de violações de normas democráticas. O relatório de Robert Mueller revela que Trump buscou restringir ou mesmo pôr fim à investigação do procurador especial.
Trump ofereceu perdão para autoridades que infringiriam a lei, criticou agências de investigação do governo e as pressionou para investigarem seus oponentes.
Ele também ignorou convocações para depor no Congresso e recusou-se a entregar documentos, incluindo seu informe de imposto de renda, e enriqueceu suas empresas usando sua posição como presidente. Atacou o Judiciário e a mídia, chamando-a de “inimiga do povo.
Trump é um exemplo atroz, mas sua má conduta se insere num padrão global. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, se envolveu em manobras políticas que a Suprema Corte decidiu serem ilegais.
O premiê indiano, Narendra Modi, tem aterrorizado as minorias do seu país e corroído sua cultura secular. O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, elogia assassinatos extrajudiciais.
E, em países como Turquia e Hungria, seus líderes, Recep Tayyip Erdogan e Viktor Orban, conseguiram mudar a Constituição para favorecer um governo de um único partido – ou um indivíduo.
Muitos estudiosos e escritores têm abordado o que chamam de “recessão democrática”, mas não está claro qual a razão pela qual ela vem ocorrendo em tantos lugares.
Roberto Stefan Foa e Yascha Mounk compilaram dados mostrando que o entusiasmo pelos autocratas aumentou em todo o globo.
Entre 1995 e 2014, cresceu enormemente o número de pessoas que gostariam de ver “um líder forte que não tem de se preocupar com Parlamento e eleições”, com um aumento observado de quase 10 pontos porcentuais nos EUA, quase 20 pontos na Espanha e Coreia do Sul e em torno de 25 pontos na Rússia e na África do Sul.
Por que isso vem ocorrendo? O melhor que posso imaginar é que estamos vivendo em épocas de grande mudança – econômica, tecnológica, demográfica, cultural – e, nesse turbilhão, as pessoas se sentem inseguras.
Entendem que as instituições e as elites não as servem bem. Assim, as pessoas estão dispostas a apoiar líderes populistas que se aproveitam dos seus temores, usam bodes expiatórios e prometem adotar ações decisivas no interesse delas.
Acrescentemos a isto a realidade crescente de uma política tribal – a percepção de que cada um de nós está num time e o nosso time está sempre certo. O tribalismo é inimigo das instituições, das normas e do Estado de direito.
Afinal, a ideia central do Estado de direito é de que ele se aplique a todos, amigos e inimigos. Na política tribal, as pessoas exaltam líderes que infringem a lei porque eles o fazem para ajudar sua tribo.
Os partidos políticos costumavam agir como vigias e criadores de normas, mantendo afastados populistas e demagogos e forçando seus membros a respeitarem determinadas regras.
Mas os partidos se tornaram instituições ultrapassadas, incapazes de se manter fortes numa era de política empresarial. Os políticos hoje arrecadam dinheiro e conquistam seguidores por meio de apelos diretos à sociedade, usando a mídia social para explorar o temor e as emoções que os partidos com frequência costumavam aplacar.
O principal impulsionador do populismo americano tem sido o Partido Republicano. A ascensão do movimento começou com o ataque de Newt Gingrich ao velho Partido Republicano de George H. Bush, que ele escarneceu como fraco e contemporizador.
E é ainda mais impulsionado hoje pelo senador Mitch McConnell, que se dispôs a infringir as normas num assunto tão importante como a nomeação para a Suprema Corte simplesmente para atender à agenda republicana. A democracia americana, hoje, necessita que o Partido Republicano defenda a democracia, em vez de festejar sua destruição. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
*É COLUNISTA
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