Análise: Crescente hostilidade explica nova onda de violência no Egito

Tensão entre cristãos coptas e muçulmanos vem se intensificando, e culminou em confrontos neste domingo.

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Por Yolande Knell
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Muitos aspectos da recente onda de violência no Egito são velhos conhecidos: cristãos coptas há muito tempo se sentem marginalizados pela sociedade egípcia, e as tensões sectárias se tornaram mais latentes desde a derrubada do regime de Hosni Mubarak. O incomum, agora, é o fato de alguns coptas terem se voltado contra os militares, em uma demonstração de rejeição, pelo menos parcial, ao governo do país. No mais sangrento episódio de violência sectária no Egito em décadas, 24 pessoas morreram no último domingo, durante confrontos entre cristãos coptas e forças de segurança. O estopim foi um protesto no Cairo contra um ataque a uma igreja na semana passada na província de Assuã, pelo qual os coptas responsabilizaram muçulmanos radicais. "Foram confrontos horríveis, sangrentos, os piores desde os anos 1970", disse o jornalista copta Ishaq Ibrahim. "Não há razão para um número tão grande de mortos. Havia grupos muçulmanos participando conosco da passeata. Era para ser algo pacífico." Os cristãos coptas - que representam cerca de 10% da população egípcia - acusam o conselho militar que governa o país de ser conivente com os responsáveis por uma onda de ataques anticristãos. Muitos coptas se dizem desprovidos de proteção governamental e acreditam que radicais muçulmanos colaboram com as forças de segurança em ações contra os coptas. Reação oficial Em seu discurso televisionado na noite de domingo, o premiê egípcio, Essam Sharaf, atribuiu os confrontos a elementos "domésticos e estrangeiros que se intrometem na segurança do país". No entanto, seus ministros - bem como os generais que comandam o Egito - serão pressionados por conta da violenta resposta militar aos protestos de domingo. Entre as muitas imagens fortes postadas no YouTube e atribuídas aos confrontos, se destaca uma cena de um veículo armado das forças de segurança avançando contra uma multidão de manifestantes. Em meio às tensões, também cresce a sensação de que os grupos salafistas - de crescente proeminência no Egito - têm se sentido cada vez mais à vontade para demonstrar, abertamente, hostilidade contra a minoria cristã. Em uma recente entrevista à rede de TV al-Arabiya, o ex-chefe dos serviços de segurança egípcios Fouad Allam opinou que "são necessárias atitudes sérias dos líderes (do país) para resolver as causas (dos confrontos). Caso contrário, isso pode levar à guerra civil". Movimentos islâmicos Analistas dizem que o atual cenário de tensões sectárias começou a ser desenhado nos anos 1970, com o crescimento de movimentos islâmicos. Ao mesmo tempo, a violência em curso hoje forçou alguns cristãos egípcios a se fecharem dentro de sua própria comunidade. Os altos índices de pobreza exacerbam a situação. Também é comum que disputas relacionadas à posse de terras ou a uniões interreligiosas extrapolem a esfera privada e dividam comunidades inteiras. Enquanto isso, os jornais egípcios destacaram a importância em se restaurar a paz e a ordem social, já que o país se prepara para realizar eleições parlamentares no ano que vem. O jornal al-Shorouk classificou os distúrbios do último domingo de "uma noite negra para a revolução egípcia" que derrubou Mubarak. Com o país já às voltas com uma crise econômica, o mercado financeiro também sentiu os efeitos da tensão e sofreu sua maior queda desde março - mês em que reabrira após sete meses de suspensão, por conta da onda de protestos anti-Mubarak. Líderes religiosos, incluindo o imã de al-Azhar, Ahmed al-Tayab, estão agora somando esforços com os políticos para pregar unidade nacional e diálogo interreligioso. Pessoas comuns também estão participando das iniciativas de reconciliação, divulgando cartazes que mostram a cruz cristã e o crescente muçulmano lado a lado. Muitos jovens publicaram a imagem em suas páginas no Facebook, com os dizeres "eu sou egípcio". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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