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Análise: Crime dá sobrevida ao regime chavista

Altos funcionários mantêm apoio a Maduro não porque acreditem no socialismo, mas porque ganham milhões com o tráfico

Por Jackson Diehl
Atualização:

Quando perguntam a funcionários do governo de Trump por que os esforços para depor Nicolás Maduro falharam até agora, eles costumam citar a perniciosa intervenção de Cuba e Rússia, que estariam ajudando Maduro a resistir. O que não gostam muito de citar é um fator possivelmente mais importante: o Cartel dos Sóis. 

O fulgurante nome refere-se à rede de narcotráfico que embarca por ano centenas de toneladas de cocaína colombiana em aeroportos da Venezuela para a América Central e Caribe para serem distribuídas nos EUA e Europa – e da qual fazem parte altos funcionários do regime de Maduro.

Tareck El Aissami e Nicolás Maduro Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins

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Esses homensse aferram ao poder não porque acreditem no socialismo ou ponham fé em Vladimir Putin e Raúl Castro. Eles não largam o osso porque, mesmo com a economia da Venezuela implodida, continuam ganhando milhões – e sabem que se abandonarem o regime provavelmente terminarão na cadeia, na Venezuela ou nos EUA.

O tráfico de cocaína é apenas uma das atividades criminosas das quais a elite da “revolução bolivariana” de Hugo Chávez participa. Há também mineração ilícita de ouro e ferro; venda fraudulenta de petróleo; câmbio negro com alimentos e remédios importados; e corrupção no comércio de divisas. Maduro e todos à sua volta, incluindo sua mulher, Cília Flores, seu número 2, Diosdado Cabello, e os ministros do Interior, Néstor Reverol, e da Indústria, Tareck el-Aissami, estão envolvidos até o pescoço.

Embora o governo Trump e defensores de extrema esquerda de Maduro prefiram abordar a crise na Venezuela pelo ângulo político, a realidade é que o regime venezuelano é menos um governo – muito menos um governo socialista – que uma gangue criminosa. Isso tem duas consequências que complicam sua remoção. A primeira é que o dinheiro ilícito ajuda o regime a sobreviver às sanções dos EUA. 

Mas, talvez ainda mais importante, é que a contaminação tóxica que alcançou quase todos os altos funcionário do governo torna muito mais difícil a aplicação das costumeiras fórmulas para uma transição pacífica, incluindo um governo de transição e anistia para os que abandonarem o barco. 

O colapso da economia regular da Venezuela provocou uma pavorosa escassez de alimentos, água, remédios e energia elétrica e é responsável por mais de 10% dos 30 milhões de venezuelanos terem deixado o país. Mas a renda da claque de Maduro parece continuar crescendo. 

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Uma recente reportagem da CNN revelou que os “voos de droga” da Venezuela cresceram de dois por semana em 2017 para quase um por dia em 2018. A reportagem cita um funcionário americano segundo o qual neste ano já são mais de cinco voos diários. Em 2018, cerca de 265 toneladas de cocaína colombiana, que nas ruas valem US$ 39 bilhões, foram traficadas através da Venezuela, de acordo com a reportagem.

Outro novo estudo, preparado para a National Defense University por Douglas Farahand Caitlyn Yates, constatou que, mesmo o regime de Maduro tendo vendido 73 toneladas de ouro na Turquia e nos Emirados Árabes Unidos no ano passado para fazer dinheiro, suas reservas aumentaram em 11 toneladas – resultado provável da mineração ilegal, até mesmo a explorada por grupos rebeldes colombianos com base na Venezuela e aliados do regime. Essa venda pode ter gerado cerca de US$ 3 bilhões, mais que o suficiente para financiar forças de segurança e grupos paramilitares ainda leais a Maduro. 

Farahand e Yates descreveram o regime de Maduro como parte de uma rede regional chamada Empresa Criminal Bolivariana Conjunta, “um consórcio de criminosos estatais e não estatais”. Eles identificaram 181 pessoas e 176 companhias de 26 países ligadas à atividade criminosa venezuelana. Graças a essa rede, dizem eles, “o regime de Maduro não caiu e pode não cair por um tempo considerável ... A capacidade da rede de se adaptar e diversificar seu portfólio criminal significa que o dinheiro continua entrando nos cofres do regime”. 

Em teoria, a oposição venezuelana, o governo Trump e outros atores que procuram desestabilizar o regimeMaduro poderiam perdoar tudo isso. A oposição vem falando em anistiar líderes militares que se virarem contra o regime e, na semana passada, o Departamento do Tesouro levantou sanções contra o chefe de informações da Venezuela após sua deserção. 

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Na prática, porém, é difícil de se imaginar que a maior parte da máfia de Maduro simplesmente saia livre. Pelo menos dois chefões já foram indiciados por grandes júris federais dos EUA. Outro “capo”, o ex-general Hugo Carvajal, desertou para a Espanha no mês passado – e foi imediatamente preso em consequência de um pedido de extradição dos Estados Unidos para enfrentar acusações de tráfico de cocaína. 

Alguns líderes oposicionistas, no entanto, esperam chegar a um governo de transição que inclua figuras do regime. Mas, como disse ao Washington Post a veterana ativista opositora María Corina Machado, “não pode haver (num governo de transição) chefões de máfias do tráfico de drogas, ouro, gás, petróleo ou alimentos”. Infelizmente, isso pode excluir quase todos que têm poder para promover uma mudança pacífica em Caracas. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

É JORNALISTA

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