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Análise: De 'América Primeiro' para 'Eu Primeiro'

Cúpula com Putin evidenciou que o assunto mais importante para o presidente americano é ele mesmo

Por Matthew Lee e Zeke Miller
Atualização:

WASHINGTON - O slogan "America First" (América primeiro) do presidente americano, Donald Trump, transformou-se em "Me First" (Eu primeiro), uma vez que que, na segunda-feira, ele culpou as agências de inteligência e o Departamento de Justiça americano para parecer uma vítima de conspiração. Ele também atribuiu à "tolice e estupidez" americanas o péssimo estado das relações entre Estados Unidos e Rússia, voltando ao assunto em que tanto insistiu durante a campanha eleitoral.

Trump recuou um dia depois de se reunir com Putin e disse que aceita relatórios americanos sobre ingerência russa na eleição de 2016 Foto: EFE/Michael Reynolds

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Desta vez, porém, Trump estava em solo estrangeiro, na Finlândia, ao lado do presidente russo, Vladimir Putin, homem cujo governo é acusado de interferir na campanha presidencial americana de 2016 para favorecer o republicano. O desempenho de Trump na cúpula de segunda-feira alimentou as críticas sobre seu governo, vindas tanto da base quanto da oposição.

Tais resultados provavelmente vão encorajar Putin, que não enfrentou nenhuma punição ou retrocesso diante das alegações de interferência pelo Kremlin, ou contra o governo russo, como nas questões envolvendo Síria e Ucrânia. Tanto críticos como alguns defensores de Trump, geralmente leais, foram rápidos para condená-lo.

O senador John McCain, republicano do Arizona, chamou a cúpula de "uma das performances mais vergonhosas de um presidente americano". O deputado e presidente da Câmara, Paul Ryan, republicano do Winsconsin, que geralmente apoia Trump, também se manifestou. "O presidente precisa reconhecer que a Rússia não é nossa aliada."

O deputado Trey Gowdy, republicano da Carolina do Sul, reiterou que a Rússia "não é amiga" dos EUA. Ele disse esperar que os assessores de Trump possam convencê-lo de que é possível concluir que a Rússia interferiu na eleição de 2016 sem deslegitimar seu sucesso eleitoral.

No entanto, o oposto aconteceu e, após duas horas de reunião em Helsinque, o presidente americano disse duvidar das investigações da inteligência americana e rejeitou a investigação do advogado especial Robert Mueller sobre a questão, sugerindo que não há motivos para duvidar da palavra de Putin. "Eu tenho muita confiança em meu pessoal de inteligência, mas vou dizer que o presidente Putin foi muito forte e poderoso em sua negativa hoje."

Atuais e ex-funcionários da Casa Branca e da campanha de Trump descrevem o presidente como obcecado por qualquer suposição de que sua ascensão à presidência tenha sido fruto de outros motivos senão seu próprio trabalho duro. Essas fontes dizem que o ex-astro de reality show e homem das manchetes de tabloides acha que a ideia da interferência russa em sua vitória eleitoral diminui o feito e também sua marca.

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É por essa razão que, desde a campanha de 2016, Trump tem rejeitado quaisquer sugestões de apoio russo à sua candidatura.

Depois da vitória na eleição, que o pegou de surpresa, ele relutantemente reconheceu a intervenção dos russos na eleição - consenso unânime na comunidade da inteligência - enquanto, ao mesmo tempo, sugeriu que outros países poderiam ser os responsáveis. Meses depois da posse, Trump afirmou ter demitido James Comey da direção do FBI por sua persistente investigação sobre o concluio entre os russos e a sua campanha eleitoral.

E continua a rejeitar a investigação de Mueller, chamando-a de "caça às bruxas".

Na segunda-feira, ele ressuscitou várias teorias de conspiração sobre Hillary Clinton e o Partido Democrata, reclamou de um agente do FBI envolvido na investigação e criticou a cobertura da mídia. Ao mesmo tempo, elogiou seu sucesso eleitoral e voltou a negar qualquer conluio com a Rússia. As afirmações agradaram a Putin, mesmo que o presidente russo tenha admitido sua preferência por Trump, que fez campanha prometendo melhores laços entre Washignton e Moscou.

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"Fizemos uma campanha brilhante e é por isso que sou presidente", reiterou. "Essa foi uma campanha limpa, eu venci Hillary Clinton facilmente", acrescentou, em outro momento.

Trump considerou a cúpula EUA/Rússia como um triunfo diplomático, dizendo que o encontro demonstrou a capacidade estatal americana ao concordar em se encontrar com Putin e afastar aqueles que se preocupavam com as negociações entre os dois países. No entanto, mesmo com os votos vagos para melhora de relações diplomáticas, maior cooperação na Síria e na não-proliferação nuclear, nenhum dos dois chefes de Estado foi capaz de detalhar o progresso negociado ou as melhorias específicas no relacionamento entre a Casa Branca e o Kremlin.

O único sinal tangível de amizade entre os dois foi o presente de Putin a Trump: uma bola de futebol da Copa do Mundo.

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Os poucos pontos de desacordo se mostraram quando Putin gentilmente repreendeu Trump por retirar os EUA do acordo nuclear com o Irã e quando o líder russo explicou ao presidente americano qual é a posição dos EUA na questão sobre a anexação da Crimeia pela Rússia. "Ele continuou afirmando que era ilegal anexar", disse o presidente russo sobre a reação do americano.

Putin, por sua vez, desempenhou o papel de estadista, servindo como uma espécie de mestre de cerimônias e afastando perguntas da imprensa ao se mostrar incrédulo com as alegações de interferência e conluio, tudo isso antes de fazer uma oferta supreendente a Trump. Putin propôs ajudar nas investigações sobre o envolvimento de membros do Kremlin nas eleições de 2016. A ideia foi "uma oferta incrível", disse o presidente americano.

A abertura de Trump para a proposta simbólica pareceu elevar Putin, que se beneficia com mera ideia de ser capaz de abalar as bases da democracia dos EUA. Putin pareceu ter cutucado nesta questão sensível quando respondeu a uma pergunta sobre a intromissão russa nas eleições americanas. Sua resposta veio em forma de pergunta para o repórter: "Você acredita que os Estados Unidos são uma democracia?" / AP

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