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Análise: Erdogan encontra em Trump um ouvido simpático

O polêmico presidente da Turquia conseguiu repetidamente convencer o americano a adquirir sua visão de mundo

Por Michael Crowley e Carlotta Gall
Atualização:

WASHINGTON - Três vezes no ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, conversou com o líder da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e disse a Erdogan o que ele queria ouvir.

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Em dezembro, Trump surpreendeu sua própria equipe de segurança nacional ao decidir abruptamente retirar as tropas americanas da Síria, abrindo caminho para a tão buscada incursão de Erdogan no país.

No domingo, Trump falou novamente com seu colega turco e depois emitiu uma declaração semelhante. E entre as ligações, em junho, Trump saiu de uma reunião com Erdogan ecoando pontos de discussão turcos culpando o presidente Barack Obama pela compra feita pelo país de um sistema russo de mísseis.

Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e Donald Trump Foto: Adem Altan e Saul Loeb/ AFP

A relação entre os dois homens arrogantes e tempestuosos teve seus abalos - e suas ameaças. Trump, enfrentando uma reação dos republicanos na segunda-feira, alertou pelo Twitter que “destruiria totalmente e aniquilaria a economia da Turquia” se Erdogan cruzasse “limites” não especificados na Síria.

Mas autoridades americanas e turcas descrevem uma parceria incomum na qual Erdogan repetidamente guiou Trump em posições que o colocaram contra seus próprios conselheiros de segurança nacional e aliados republicanos. Os analistas consideram uma esquisitice o relacionamento de dois líderes naturalmente combativos, ambos propensos a insultos explosivos, que parecem entender um ao outro e acreditam que podem resolver as coisas por telefone.

Erdogan logo será ouvido pelo presidente de novo: Trump anunciou em um tuíte na terça-feira que o líder turco visitaria a Casa Branca em 13 de novembro. Ele também continuou na terça-feira a defender sua decisão, tuitando que “de maneira alguma abandonamos os curdos, que são pessoas especiais e combatentes maravilhosos.”

Erdogan é um dos vários homens fortes estrangeiros que recebem condenações de grupos de direitos humanos, mas com os quais Trump parece querer fazer negócios. Ambos são nacionalistas populares que lutaram contra a resistência de seus respectivos establishments de segurança.

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Enquanto Trump critica um “estado profundo” burocrático que procura derrubá-lo por meio de investigações e impeachment, em 2016, Erdogan sobreviveu a um golpe real que se tornou sangrento.

“Eles compartilham uma visão de mundo semelhante; eles não gostam das elites”, disse Ozgur Unluhisarcikli, diretor do fundo alemão Marshall do escritório dos Estados Unidos na capital turca, Ancara. “Trump provavelmente gostaria de governar como Erdogan.”

No domingo, Erdogan até parecia jogar uma versão da carta do estado profundo com seu colega. De acordo com a leitura da ligação telefônica de domingo divulgada pelo palácio presidencial da Turquia, Erdogan “compartilhou com Trump sua frustração pelo fracasso da burocracia militar e de segurança dos EUA em implementar” um acordo entre os dois países que governam a segurança no norte da Síria.

Trump respondeu dizendo a Erdogan, como havia feito em dezembro, que removeria as tropas americanas da área em que o líder turco esperava lutar contra combatentes curdos sírios que foram críticos aliados dos EUA contra o Estado Islâmico. A Turquia considera esses combatentes uma ameaça às suas próprias fronteiras e segurança.

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Trump conhece a Turquia desde sua vida anterior no setor imobiliário - ele vendeu sua marca para o Trump Towers Istambul em 2010 - mas como presidentes antes dele, ele enfrentou dificuldades para elaborar uma política consistente em relação ao país.

Em vez disso, ele se concentrou em seu relacionamento pessoal com Erdogan em conversas que as pessoas familiarizadas com eles descrevem como tipicamente “aduladoras”. Trump geralmente começa elogiando Erdogan, que é notório por dirigir discursos a presidentes americanos com queixas, segundo essas pessoas.

Toda essa camaradagem perturbou as autoridades nomeadas e eleitas, que suspeitam das políticas repressivas de Erdogan, das simpatias islâmicas e do aprofundamento das relações com o presidente russo Vladimir Putin. Quase todo mundo concorda, no entanto, que simplesmente afastar o chefe de uma nação membro da Otan no ponto de articulação entre o Oriente e o Ocidente não é prático.

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A amizade de Trump e Erdogan já sobreviveu a pelo menos um dos principais testes, quando as relações começaram com a detenção contínua de Erdogan de um pastor americano, Andrew Brunson, que foi preso por quase dois anos em uma repressão generalizada após um golpe fracassado na Turquia. Quando Brunson não foi libertado como esperava, Trump anunciou em um tuíte hostil que estava duplicando as tarifas de aço e alumínio turco e assistindo a lira turca cair.

Depois que Brunson foi libertado em outubro passado, Trump manifestou publicamente gratidão a Erdogan por “tornar isso possível”.

Para algumas ex-autoridades americanas que trabalharam em estreita colaboração com o governo de Erdogan, o relacionamento entre Trump e Erdogan é um enigma ainda não resolvido.

“Não está realmente claro para mim o que Trump ou os Estados Unidos obterão com isso”, disse Phil Gordon, que atuou no Departamento de Estado e no Conselho de Segurança Nacional de Obama.

“É coerente com outras ações aparentemente inexplicáveis de Trump que estão mais alinhadas com os interesses russos do que com os nossos”, acrescentou Gordon, membro sênior do Conselho de Relações Exteriores.

Na terça-feira, um porta-voz do Pentágono contestou relatos publicados de que a decisão de Trump de ordenar que as tropas americanas saíssem da área onde a Turquia planeja uma ofensiva surpreendeu oficiais seniores e disse que Trump havia consultado o secretário de Defesa Mark T. Esper e o general Mark A. Milley, o novo chairman dos chefes de Estado-Maior Conjunto, dias antes de falar com Erdogan.

Mas as autoridades do Pentágono disseram ter discutido as ameaças de Erdogan de invadir o norte da Síria, e não havia nenhuma sugestão prévia de Trump ordenando que as tropas americanas se afastassem e deixassem seus aliados curdos sírios vulneráveis a ataques. De fato, disseram as autoridades, tanto Esper quanto Milley alertaram seus colegas turcos na semana passada que qualquer operação entre as fronteiras danificaria seriamente as relações EUA-Turquia.

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Em todo o furor pelo anúncio de Trump, houve um silêncio estudado da parte de Erdogan.

Da mesma forma, os tuítes recentes de Trump - mesmo aqueles que ameaçam a economia da Turquia com destruição - evitaram chamar Erdogan pelo nome. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO