Análise: Itália segue aos tropeços para sua insensata crise

Qualquer coalizão entre o 5 Estrelas e o Partido Democrático provavelmente duraria pouco. Os dois têm programas políticos diferentes e o M5S apoio a linha dura da Liga com a imigração, à qual os democratas se opõem

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Por Ferdinando Giugliano e BLOOMBERG
Atualização:

Há muito para se preocupar com o ultradireitista Matteo Salvini, com suas visões anti-imigrantes e seus flertes com a ideia de sair do euro. Mas uma parceria “vermelho-amarelo” entre o Movimento 5 Estrelas e o Partido Democrático, que emergiu como genuína possibilidade, dificilmente resolveria os problemas da Itália.

Salvini claramente calculou mal sua capacidade eleitoral. Ele poderia ter colocado um ponto final no governo – formado por sua Liga e o 5 Estrelas – logo após as eleições para o Parlamento Europeu no fim de maio, quando seu partido ganhou mais de um terço dos votos. Em vez disso, esperou até agosto, quando a Liga apresentou uma moção de desconfiança contra o premiê Giuseppe Conte. As férias de verão significaram que a proposta só poderia ser discutida esta semana, dando tempo para que os adversários de Salvini retomassem suas forças.

O ministro do Interior e vice primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini Foto: Cesare Abbate/ANSA via AP

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O M5S, cujo apoio nas pesquisas despencou, está se divertindo com a oportunidade de atacar a Liga e agir de novo como um fazedor de reis. Todas as opções permanecem na mesa e pode ser imprudente apostar contra Salvini, dada sua popularidade entre os eleitores. Mas sua hesitação significa que a perspectiva de um governo vermelho-amarelo é muito mais realista do que há uns poucos meses.

Mas essa combinação seria muito perigosa para a Itália por pelo menos três razões. Primeiro, a Liga é, de longe, o partido com mais apoio no país, então talvez seja insensato deixá-lo fora do governo. É claro que a Itália é uma democracia parlamentar, então é legítimo que o M5S e os democratas montem uma aliança. Mas essa reviravolta repentina daria a Salvini mais uma abertura para protestar contra o establishment e a classe política – em vez de forçá-lo a provar que ele é realmente capaz de governar.

Em segundo lugar, qualquer coalizão entre o 5 Estrelas e o Partido Democrático provavelmente duraria pouco. Os dois trocam insultos há meses, quando o M5S atacou os democratas por fazerem parte de uma antiga elite corrupta que arruinou a Itália, enquanto o segundo acusou os populistas de incompetência. Eles também têm diferentes programas políticos. O M5S apoiou a linha dura da Liga sobre imigração, à qual os democratas se opõem.

O M5S também é contra projetos de infraestrutura apoiados pela centro-esquerda. Qualquer coalizão provavelmente se romperia rapidamente, abrindo caminho para eventual triunfo de Salvini e da direita. Finalmente, a aliança M5S-PD provavelmente pressionaria por mais ajuda estatal quando necessário e por maiores gastos cobertos por impostos ainda mais altos. A Itália já precisa encontrar 20 bilhões de euros (US$ 22 bilhões) para evitar um aumento planejado do IVA (imposto de valor agregado), portanto, há pouco espaço para aumentar o déficit para financiar novas medidas.

Os dois partidos podem achar que há razões táticas para se unir. O Banco Central Europeu parece disposto a anunciar um novo pacote de incentivo monetário em setembro, o que ajudaria a reduzir os rendimentos dos bônus italianos. A força atual de Salvini também pode fraquejar em algum momento.

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Ele poderia, por exemplo, enfrentar uma revolta interna na Liga, já que a base tradicional do partido no Norte pode achar que ele não fez o suficiente para promover seus interesses econômicos. Mas a estratégia de longo prazo para M5S-PD é incerta e não há como reavivar a estagnação da economia italiana. A crise política deste verão pode ser ainda mais absurda. Infelizmente, não será a última. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É COLUNISTA

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